Em outubro de 1945, os países vencedores reuniram-se em Londres, a fim de decidir as condições de paz. Naquela ocasião, firmou-se entre eles a divisão da Alemanha e, posteriormente, de Berlim. Os nazistas foram julgados no Tribunal de Nuremberg e seu potencial industrial foi distribuído entre as partes envolvidas. O destino dos países satélites da Alemanha nazista também firmou-se por meio de tratado:
Em 1947, estabeleceu-se a paz com a Itália, que perdeu suas colônias para os vencedores.
Trieste, colônia italiana, foi declarada porto livre, pois, devido à sua localização, era exigida tanto por ocidentais como por orientais.
A Romênia cedeu aos russos os territórios de Bessarábia e da Bucovina setentrional.
A Bulgária cedeu à Iugoslávia e à Grécia as regiões conquistadas na Macedônia e na Trácia.
A Hungria retornou às suas fronteiras anteriores à guerra.
A Finlândia liberou passagem para os soviéticos no porto de Petsamo; a URSS obteve o domínio da ilha de Porkkla por 50 anos e o corredor terrestre do Golfo da Finlândia-Helsinque.
A URSS manteve ainda o controle na região danubiana.
Aos países vencidos foi imposta a redução das forças armadas e pesadas reparações de guerras.
A Polônia cedeu à Rússia territórios da parte Leste; províncias alemãs foram integradas ao território polonês.
O Japão restituiu a Manchúria e a Coréia à China.
Fonte: Segunda Guerra Mundial - História Geral - Brasil Escola
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
História da Igreja Acordos de Paz
PAZ DE AUGSBURG EM 1555
Todo o território do Império Romano Germânico ingressou num período de guerras religiosas. A imposição da Reforma ou da permanência na Igreja católica passa a ser feita através das armas. O imperador Carlos V, não havendo mais possibilidade de um acordo com os protestantes, partiu para a guerra, para alcançar a unidade religiosa na Alemanha.
A primeira guerra explode em 1546. Mesmo que do ponto de vista militar tivesse alcançado sucesso, não havia mais acordo possível em matéria eclesiástica: aprovou o matrimônio dos padres e o cálice para os leigos. Era uma vitória católica, mas rejeitada pelos príncipes protestantes. E a guerra continuou.
A paz religiosa de Augsburg, em 1555, foi o ponto final. Aos príncipes do Império foram asseguradas as cidades livres imperiais e, aos nobres, o direito de impor em seus territórios a religião preferida (com exceção da calvinista). Todos deveriam acompanhar a fé do soberano territorial que ficou também com a posse de todos os mosteiros e igrejas. A quem não concordava ficou o direito de emigrar.
PAZ DE WESTFÁLIA EM 1648
A Paz de Augsburg não satisfez a ninguém, porém conseguiu congelar a divisão eclesiástica da Alemanha. O novo imperador, Ferdinando I (1556-1564), em Worms, tentou reunificar a fé no Império, mas os protestantes continuaram invadindo áreas de populações católicas.
Os imperadores seguintes não conseguiram impedir esse avanço. Mas, após o Concílio de Trento, a Igreja católica alemã passa por uma verdadeira reforma: pregadores católicos ganham campo e príncipes católicos também invadem áreas de outros para impor a sua fé.
Os espíritos se acirram e a Alemanha passou a ser o centro dos conflitos europeus. O imperador Matias (1612-1619), católico, mas sem tino diplomático, exigiu que fossem fechadas as igrejas protestantes em territórios monásticos. O mesmo fez o imperador Ferdinando II que publicou, em 1629, o Edito de Restituição, ordenando aos protestantes de restituir os bens de que se apossaram a partir de 1552.
Após trinta anos de luta, a trágica Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), saques, devastações e assassinatos levaram a Alemanha à ruína econômica e civil, perdendo territórios para a Suécia e a França. De 20 milhões passou a seis milhões de habitantes e a um grande aumento do latifúndio, percebendo-se que não haveria outro caminho do que a coexistência pacífica.
A Paz de Westfália foi assinada em 24 de outubro de 1648.
Ela concedeu:
• “igualdade de direitos a católicos, protestantes e calvinistas” (art. VII);
• “o príncipe não podia impor aos súditos sua própria religião” (art. V);
• “era permitido o culto doméstico aos dissidentes” (art. V)
PAZ RELIGIOSA NA FRANÇA E EM OUTROS PAÍSES
Situada entre a Alemanha e a Suíça, a França católica não ficou imune aos conflitos religiosos. Seu adversário foi o cristão calvinista, ali denominado huguenote (conjurado). Esta nova seita tinha uma maior penetra ção nas famílias nobres.
Mas, a reação não tardou e, a partir de março de 1562 explodiu a primeira das oito guerras huguenotes, que duraram de 1562 a 1598. De ambas as partes cometeram-se terríveis crueldades. Catarina de Médici, a rainha-mãe, temendo por sua autoridade, decidiu o massacre dos huguenotes, mais numerosos em Paris.
E assim, a partir de domingo, 24 de agosto de 1572, foram friamente assassinados de 4 a 5 mil protestantes. O episódio trágico passou à história com o nome de Noite de São Bartolomeu. O Edito de Nantes, assinado em 1598, concedia aos calvinistas liberdade de consciência, liberdade de culto em determinadas localidades e plenitude dos direitos civis e políticos.
• Na Polônia, nação católica, vigorava a tolerância religiosa. Era chamada de "paraíso dos hereges".
• Na Áustria, o imperador Maximiliano I concedeu aos nobres de seguirem sua religião em seus castelos, enquanto os camponeses eram obrigados a seguir a fé do patrão.
• A Inglaterra, em 1673, obrigou os que assumissem cargos públicos a fazerem um juramento contra o dogma da transubstanciação na eucaristia. Assim, os católicos eram discriminados.
A paz religiosa foi alcançada, não por convicção, mas por necessidade: as forças políticas e sociais estavam cansadas, a economia não resistiria mais.
Terminava assim, de modo trágico, a unidade religiosa européia construída ao longo de mais de um milênio.
Fonte: Jornal - "MISSÃO JOVEM"
Todo o território do Império Romano Germânico ingressou num período de guerras religiosas. A imposição da Reforma ou da permanência na Igreja católica passa a ser feita através das armas. O imperador Carlos V, não havendo mais possibilidade de um acordo com os protestantes, partiu para a guerra, para alcançar a unidade religiosa na Alemanha.
A primeira guerra explode em 1546. Mesmo que do ponto de vista militar tivesse alcançado sucesso, não havia mais acordo possível em matéria eclesiástica: aprovou o matrimônio dos padres e o cálice para os leigos. Era uma vitória católica, mas rejeitada pelos príncipes protestantes. E a guerra continuou.
A paz religiosa de Augsburg, em 1555, foi o ponto final. Aos príncipes do Império foram asseguradas as cidades livres imperiais e, aos nobres, o direito de impor em seus territórios a religião preferida (com exceção da calvinista). Todos deveriam acompanhar a fé do soberano territorial que ficou também com a posse de todos os mosteiros e igrejas. A quem não concordava ficou o direito de emigrar.
PAZ DE WESTFÁLIA EM 1648
A Paz de Augsburg não satisfez a ninguém, porém conseguiu congelar a divisão eclesiástica da Alemanha. O novo imperador, Ferdinando I (1556-1564), em Worms, tentou reunificar a fé no Império, mas os protestantes continuaram invadindo áreas de populações católicas.
Os imperadores seguintes não conseguiram impedir esse avanço. Mas, após o Concílio de Trento, a Igreja católica alemã passa por uma verdadeira reforma: pregadores católicos ganham campo e príncipes católicos também invadem áreas de outros para impor a sua fé.
Os espíritos se acirram e a Alemanha passou a ser o centro dos conflitos europeus. O imperador Matias (1612-1619), católico, mas sem tino diplomático, exigiu que fossem fechadas as igrejas protestantes em territórios monásticos. O mesmo fez o imperador Ferdinando II que publicou, em 1629, o Edito de Restituição, ordenando aos protestantes de restituir os bens de que se apossaram a partir de 1552.
Após trinta anos de luta, a trágica Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), saques, devastações e assassinatos levaram a Alemanha à ruína econômica e civil, perdendo territórios para a Suécia e a França. De 20 milhões passou a seis milhões de habitantes e a um grande aumento do latifúndio, percebendo-se que não haveria outro caminho do que a coexistência pacífica.
A Paz de Westfália foi assinada em 24 de outubro de 1648.
Ela concedeu:
• “igualdade de direitos a católicos, protestantes e calvinistas” (art. VII);
• “o príncipe não podia impor aos súditos sua própria religião” (art. V);
• “era permitido o culto doméstico aos dissidentes” (art. V)
PAZ RELIGIOSA NA FRANÇA E EM OUTROS PAÍSES
Situada entre a Alemanha e a Suíça, a França católica não ficou imune aos conflitos religiosos. Seu adversário foi o cristão calvinista, ali denominado huguenote (conjurado). Esta nova seita tinha uma maior penetra ção nas famílias nobres.
Mas, a reação não tardou e, a partir de março de 1562 explodiu a primeira das oito guerras huguenotes, que duraram de 1562 a 1598. De ambas as partes cometeram-se terríveis crueldades. Catarina de Médici, a rainha-mãe, temendo por sua autoridade, decidiu o massacre dos huguenotes, mais numerosos em Paris.
E assim, a partir de domingo, 24 de agosto de 1572, foram friamente assassinados de 4 a 5 mil protestantes. O episódio trágico passou à história com o nome de Noite de São Bartolomeu. O Edito de Nantes, assinado em 1598, concedia aos calvinistas liberdade de consciência, liberdade de culto em determinadas localidades e plenitude dos direitos civis e políticos.
• Na Polônia, nação católica, vigorava a tolerância religiosa. Era chamada de "paraíso dos hereges".
• Na Áustria, o imperador Maximiliano I concedeu aos nobres de seguirem sua religião em seus castelos, enquanto os camponeses eram obrigados a seguir a fé do patrão.
• A Inglaterra, em 1673, obrigou os que assumissem cargos públicos a fazerem um juramento contra o dogma da transubstanciação na eucaristia. Assim, os católicos eram discriminados.
A paz religiosa foi alcançada, não por convicção, mas por necessidade: as forças políticas e sociais estavam cansadas, a economia não resistiria mais.
Terminava assim, de modo trágico, a unidade religiosa européia construída ao longo de mais de um milênio.
Fonte: Jornal - "MISSÃO JOVEM"
Doadores da Guatemala elogiam progresso dos acordos de paz
Países e organizações doadores saudaram os esforços do governo guatemalteco para implementar os acordos de paz desse país numa reunião realizada em setembro na capital colonial de Antigua.
À reunião estiveram presentes mais de 100 delegados representando 30 países doadores e 20 organizações internacionais. Estavam também presentes representantes de cada um dos setores da sociedade guatemalteca que ajudaram a forjar os acordos de paz. O encontro foi organizado pelo BID em seguimento a um anterior realizado em Bruxelas.
Ao mesmo tempo em que elogiavam o progresso do país, os doadores também enfatizaram a necessidade de aumentar as receitas fiscais, modernizar o setor jurídico, resolver questões de propriedade da terra e fortalecer a capacidade dos governos locais de implementar projetos.
O BID planeja emprestar à Guatemala cerca de US$800 milhões ao longo dos próximos quatro anos para financiar projetos do setor social, modernização do Estado, infra-estrutura e desenvolvimento do setor privado, segundo Miguel E. Martínez, o gerente de operações do BID que dirigiu a reunião de Antigua.
Fonte: OBID
À reunião estiveram presentes mais de 100 delegados representando 30 países doadores e 20 organizações internacionais. Estavam também presentes representantes de cada um dos setores da sociedade guatemalteca que ajudaram a forjar os acordos de paz. O encontro foi organizado pelo BID em seguimento a um anterior realizado em Bruxelas.
Ao mesmo tempo em que elogiavam o progresso do país, os doadores também enfatizaram a necessidade de aumentar as receitas fiscais, modernizar o setor jurídico, resolver questões de propriedade da terra e fortalecer a capacidade dos governos locais de implementar projetos.
O BID planeja emprestar à Guatemala cerca de US$800 milhões ao longo dos próximos quatro anos para financiar projetos do setor social, modernização do Estado, infra-estrutura e desenvolvimento do setor privado, segundo Miguel E. Martínez, o gerente de operações do BID que dirigiu a reunião de Antigua.
Fonte: OBID
A ONU e a manutenção da paz
As Nações Unidas enfrentam um desafio extraordinário na área da manutenção da paz. O número de operações continua crescendo, o envio e distribuição de tropas está aumentando em espiral e a necessidade de mais especialistas civis começa a fazer-se sentir com grande acuidade. Atualmente, o Departamento de Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas administra 16 missões em lugares tão distantes como Timor Leste, Haiti ou Saara Ocidental.
As Nações Unidas vem aumentar sistematicamente sua capacidade para apoiar operações e planejar novas missões. No entanto, estas solicitações crescentes estão, mais do que nunca, colocando à prova a capacidade de manutenção da paz da ONU e, para lhes poder dar resposta, a Organização necessita de importantes recursos suplementares. As perguntas e respostas que se apresentam a seguir descrevem as atividades das Nações Unidas na área da manutenção da paz.
O que é a manutenção da paz?
A manutenção da paz é uma forma de ajudar os países dilacerados por conflitos a criarem as condições necessárias a uma paz sustentável. Os capacetes azuis das Nações Unidas - soldados e oficiais das forças armadas, agentes da polícia civil e pessoal civil de muitos países - acompanham e observam os processos de paz iniciados em situações pós-conflito, ajudando os ex-combatentes a aplicarem os acordos de paz que assinaram.
A Carta das Nações Unidas confere ao Conselho de Segurança da ONU o poder e a responsabilidade de empreender ações coletivas com vista a manter a paz e a segurança internacionais. É por esta razão que a comunidade internacional recorre ao Conselho de Segurança quando é necessário autorizar operações de manutenção da paz.
Como tem evoluído a manutenção da paz?
As atividades de manutenção da paz das Nações Unidas surgiram, inicialmente, durante a Guerra Fria como um meio de resolver conflitos entre os Estados mediante o envio de pessoal militar desarmado ou portador de armas leves de vários países, sob o comando da ONU, e sua distribuição pelas forças armadas das partes anteriormente em conflito. O fim da Guerra Fria deu origem a uma mudança radical nas atividades de manutenção da paz da ONU. Com um novo espírito de cooperação, o Conselho de Segurança criou missões de manutenção da paz de maior dimensão e mais complexas, freqüentemente para ajudar a implementar acordos de paz abrangentes entre os protagonistas de conflitos internos. Além disso, as missões de manutenção da paz passaram a contar com a participação de um número cada vez maior de elementos não militares a fim de garantir sua sustentabilidade. Em 1992, foi criado o Departamento de Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas, com o objetivo de apoiar a procura crescente de atividades de manutenção da paz complexas.
O que tem feito a ONU para melhorar sua atuação nas missões de manutenção da paz?
Em 1999, o Secretário-Geral, Kofi Annan, decidiu que era imprescindível efetuar uma reforma das missões de manutenção da paz das Nações Unidas realçando a necessidade de aumentar a capacidade das Nações Unidas para realizar operações de manutenção da paz e, em particular, para assegurar o rápido envio de capacetes azuis e a atribuição rápida de mandatos susceptíveis de satisfazer as necessidades in loco. Era necessário definir normas de intervenção militar mais claras para as missões de manutenção da paz da ONU, garantir uma maior coordenação entre o Secretariado da Organização em Nova Iorque e as suas agências ao nível do planejamento e realização das missões, bem como uma maior cooperação entre as Nações Unidas e as organizações regionais. Por outro lado, também era necessário intensificar os esforços no sentido de proteger as populações civis durante os conflitos.
Quais são os principais desafios a superar a fim de garantir o êxito das missões de manutenção da paz?
Os desafios que se apresentam às missões de manutenção da paz da ONU são imensos. Na República Democrática do Congo, por exemplo, as Nações Unidas dão apoio a um governo transitório num país enorme, onde a infra-estrutura é mínima e onde existe pouca coesão nacional. No Kosovo, a ONU está preparando o país e as partes interessadas para as conversações sobre o estatuto final. A Organização está reforçando sua missão na Libéria e a reduzindo as operações em Timor Leste e em Serra Leoa. Simultaneamente, têm surgido novas crises e foram assinados novos acordos de paz. As forças armadas com maior capacidade do mundo têm enormes contingentes destacados em várias regiões - principalmente no Iraque e no Afeganistão - enquanto os países em desenvolvimento, entre os quais se contam os 10 países que mais contribuem com efetivos para as missões de manutenção da paz da ONU, têm recursos limitados.
Quem decide sobre o envio de uma missão de manutenção da paz da ONU e quem fica responsável pela mesma?
É o Conselho de Segurança das Nações Unidas que normalmente cria e define as missões de manutenção da paz. Para isso, atribui a cada missão um mandato - uma descrição das tarefas da missão. A fim de criar uma nova missão de manutenção da paz ou alterar o mandato ou efetivos de uma missão existente, é necessário o voto favorável de nove dos 15 Estados-Membros do Conselho de Segurança. No entanto, se qualquer um dos cinco membros permanentes - China, França, Federação Russa, Reino Unido ou Estados Unidos - votar contra a proposta, esta é rejeitada. As operações de manutenção da paz são dirigidas e geridas pelo Secretário-Geral, que informa o Conselho sobre o seu andamento.
Quanto custa a manutenção da paz?
As atividades da ONU na área da manutenção da paz são muito eficazes em termos de custos. A ONU gasta menos, por ano, na manutenção da paz a nível mundial do que a cidade de Nova York gasta nos orçamentos anuais dos seus bombeiros e da sua polícia. Além disso, a manutenção da paz é muito menos dispendiosa do que a alternativa, isto é, a guerra. As missões de manutenção da paz do ONU custaram cerca de 2,6 bilhões de dólares em 2002. No mesmo ano, os governos gastaram cerca de 800 bilhões de dólares em armas - um valor que representa 2,5% do produto interno bruto mundial e que não apresenta sinais de estar diminuindo.
O orçamento da manutenção da paz proposto para o ano 2004-2005 é de 2,68 bilhões de dólares mas se novas missões forem criadas, poderá haver um acréscimo de mais 2 bilhões.
Todos os Estados-Membros são legalmente obrigados a contribuir com uma parcela dos custos da manutenção da paz, segundo uma fórmula complexa que eles próprios definiram. Apesar desta obrigação legal, em março de 2004, as contribuições em atraso dos Estados-Membros ascendiam a cerca de 2 bilhões de dólares.
Como são remunerados os capacetes azuis?
Os soldados integrados em missões de manutenção da paz são remunerados pelos respectivos governos de acordo com as patentes e as tabelas salariais nacionais. Os países que fornecem pessoal militar e da polícia a título voluntário para operações de manutenção da paz são reembolsados pela ONU a uma taxa fixa ligeiramente superior a mil dólares por soldado, por mês. A ONU também reembolsa os países por equipamento.
Quem contribui com pessoal?
A Carta das Nações Unidas estipula que, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, todos os Estados-Membros se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança as forças armadas e facilidades necessárias. Desde 1948, cerca de 130 países contribuíram com pessoal militar e da polícia civil para operações de paz. Embora não existam registros pormenorizados de todo o pessoal que prestou serviço em missões de manutenção da paz desde 1948, calcula-se que, nos últimos 56 anos, já prestaram serviço sob a bandeira da ONU cerca de um milhão de soldados, polícias e civis. Em março de 2004, havia mais de 51 mil elementos das forças armadas e da polícia de 94 países prestando serviço - o maior número desde 1995.
Em março de 2004, além do pessoal militar e da polícia, havia mais de 3 200 efetivos civis internacionais, 1 200 voluntários das Nações Unidas e 6 500 efetivos civis locais trabalhando em missões de manutenção da paz da ONU.
É permitido aos capacetes azuis da ONU usar a força?
Segundo o conceito tradicional de manutenção da paz, as forças da ONU devem estar desarmadas ou armadas com armas de pequeno calibre, apenas podendo usar a força em legítima defesa. No entanto, nos últimos anos, os acontecimentos deram origem a um debate sobre a forma de tornar os capacetes azuis mais eficazes em missões perigosas e complexas, assegurando simultaneamente a sua imparcialidade.
Constatou-se que as operações de manutenção da paz que não dispõem de recursos e efetivos suficientes ou de normas de intervenção militar fortes não têm condições para conter as facções armadas que surgem no período a seguir a uma guerra civil. Tem havido casos em que as próprias forças da ONU foram alvo de ataques e sofreram baixas. Ultimamente, o Conselho de Segurança tem baseado os mandatos das operações de manutenção da paz no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, permitindo que os capacetes azuis assumam uma postura enérgica, usando armas susceptíveis de produzir um efeito de dissuasão.
Embora afirme o direito de os capacetes azuis se defenderem e de defenderem aqueles cuja proteção têm a seu cargo, o Secretário-Geral tem sublinhado que esta nova "doutrina" não deve ser interpretada como um meio de transformar a ONU numa máquina de guerra, e que o uso da força deve ser sempre visto como uma medida de último recurso.
Porque os países devem contribuir com tropas para as missões de manutenção da paz da ONU?
Ao assinarem a Carta das Nações Unidas, todos os Estados-Membros concordaram em fornecer forças armadas para manter a paz e segurança internacionais: a manutenção da paz é uma responsabilidade internacional coletiva. Quando as condições são propícias ao seu êxito, as missões de manutenção da paz da ONU são uma ferramenta específica e incomparável de que a comunidade internacional dispõe para ajudar a resolver conflitos e impedir que guerras internas provoquem a desestabilização de regiões. Além disso, as missões de manutenção da paz são eficazes em termos de custos em comparação com os custos dos conflitos e a perda de vidas e a devastação econômica que provocam.
Por que as missões de manutenção da paz da ONU são essenciais no mundo atual?
Diversos motivos - políticos, econômicos ou sociais - somados ao descontentamento e a frustração das populações que não conseguem sair do círculo vicioso da pobreza, podem levar a guerras. Muitos dos conflitos dos nossos dias poderão parecer remotos para aqueles que não se encontram diretamente na linha de fogo. Mas as nações do mundo devem confrontar os riscos de uma intervenção com os perigos comprovados da inanição. Se a comunidade internacional não tentar controlar os conflitos e resolvê-los pacificamente, eles podem degenerar em conflitos maiores, envolvendo um maior número de protagonistas. A história recente tem demonstrado que as guerras civis entre facções diferentes num país podem provocar rapidamente a desestabilização de países vizinhos e alastrar a regiões inteiras. Nos tempos modernos, são poucos os conflitos que se podem considerar verdadeiramente "locais".
As atividades das operações de paz da ONU, por serem empreendidas em nome de uma Organização global composta por 191 Estados-Membros conferem-lhes uma legitimidade e universalidade únicas. As operações de manutenção da paz da ONU podem abrir portas que de outro modo permaneceriam fechadas aos esforços de pacificação e de consolidação da paz, aos esforços no sentido de assegurar uma paz duradoura.
As Nações Unidas vem aumentar sistematicamente sua capacidade para apoiar operações e planejar novas missões. No entanto, estas solicitações crescentes estão, mais do que nunca, colocando à prova a capacidade de manutenção da paz da ONU e, para lhes poder dar resposta, a Organização necessita de importantes recursos suplementares. As perguntas e respostas que se apresentam a seguir descrevem as atividades das Nações Unidas na área da manutenção da paz.
O que é a manutenção da paz?
A manutenção da paz é uma forma de ajudar os países dilacerados por conflitos a criarem as condições necessárias a uma paz sustentável. Os capacetes azuis das Nações Unidas - soldados e oficiais das forças armadas, agentes da polícia civil e pessoal civil de muitos países - acompanham e observam os processos de paz iniciados em situações pós-conflito, ajudando os ex-combatentes a aplicarem os acordos de paz que assinaram.
A Carta das Nações Unidas confere ao Conselho de Segurança da ONU o poder e a responsabilidade de empreender ações coletivas com vista a manter a paz e a segurança internacionais. É por esta razão que a comunidade internacional recorre ao Conselho de Segurança quando é necessário autorizar operações de manutenção da paz.
Como tem evoluído a manutenção da paz?
As atividades de manutenção da paz das Nações Unidas surgiram, inicialmente, durante a Guerra Fria como um meio de resolver conflitos entre os Estados mediante o envio de pessoal militar desarmado ou portador de armas leves de vários países, sob o comando da ONU, e sua distribuição pelas forças armadas das partes anteriormente em conflito. O fim da Guerra Fria deu origem a uma mudança radical nas atividades de manutenção da paz da ONU. Com um novo espírito de cooperação, o Conselho de Segurança criou missões de manutenção da paz de maior dimensão e mais complexas, freqüentemente para ajudar a implementar acordos de paz abrangentes entre os protagonistas de conflitos internos. Além disso, as missões de manutenção da paz passaram a contar com a participação de um número cada vez maior de elementos não militares a fim de garantir sua sustentabilidade. Em 1992, foi criado o Departamento de Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas, com o objetivo de apoiar a procura crescente de atividades de manutenção da paz complexas.
O que tem feito a ONU para melhorar sua atuação nas missões de manutenção da paz?
Em 1999, o Secretário-Geral, Kofi Annan, decidiu que era imprescindível efetuar uma reforma das missões de manutenção da paz das Nações Unidas realçando a necessidade de aumentar a capacidade das Nações Unidas para realizar operações de manutenção da paz e, em particular, para assegurar o rápido envio de capacetes azuis e a atribuição rápida de mandatos susceptíveis de satisfazer as necessidades in loco. Era necessário definir normas de intervenção militar mais claras para as missões de manutenção da paz da ONU, garantir uma maior coordenação entre o Secretariado da Organização em Nova Iorque e as suas agências ao nível do planejamento e realização das missões, bem como uma maior cooperação entre as Nações Unidas e as organizações regionais. Por outro lado, também era necessário intensificar os esforços no sentido de proteger as populações civis durante os conflitos.
Quais são os principais desafios a superar a fim de garantir o êxito das missões de manutenção da paz?
Os desafios que se apresentam às missões de manutenção da paz da ONU são imensos. Na República Democrática do Congo, por exemplo, as Nações Unidas dão apoio a um governo transitório num país enorme, onde a infra-estrutura é mínima e onde existe pouca coesão nacional. No Kosovo, a ONU está preparando o país e as partes interessadas para as conversações sobre o estatuto final. A Organização está reforçando sua missão na Libéria e a reduzindo as operações em Timor Leste e em Serra Leoa. Simultaneamente, têm surgido novas crises e foram assinados novos acordos de paz. As forças armadas com maior capacidade do mundo têm enormes contingentes destacados em várias regiões - principalmente no Iraque e no Afeganistão - enquanto os países em desenvolvimento, entre os quais se contam os 10 países que mais contribuem com efetivos para as missões de manutenção da paz da ONU, têm recursos limitados.
Quem decide sobre o envio de uma missão de manutenção da paz da ONU e quem fica responsável pela mesma?
É o Conselho de Segurança das Nações Unidas que normalmente cria e define as missões de manutenção da paz. Para isso, atribui a cada missão um mandato - uma descrição das tarefas da missão. A fim de criar uma nova missão de manutenção da paz ou alterar o mandato ou efetivos de uma missão existente, é necessário o voto favorável de nove dos 15 Estados-Membros do Conselho de Segurança. No entanto, se qualquer um dos cinco membros permanentes - China, França, Federação Russa, Reino Unido ou Estados Unidos - votar contra a proposta, esta é rejeitada. As operações de manutenção da paz são dirigidas e geridas pelo Secretário-Geral, que informa o Conselho sobre o seu andamento.
Quanto custa a manutenção da paz?
As atividades da ONU na área da manutenção da paz são muito eficazes em termos de custos. A ONU gasta menos, por ano, na manutenção da paz a nível mundial do que a cidade de Nova York gasta nos orçamentos anuais dos seus bombeiros e da sua polícia. Além disso, a manutenção da paz é muito menos dispendiosa do que a alternativa, isto é, a guerra. As missões de manutenção da paz do ONU custaram cerca de 2,6 bilhões de dólares em 2002. No mesmo ano, os governos gastaram cerca de 800 bilhões de dólares em armas - um valor que representa 2,5% do produto interno bruto mundial e que não apresenta sinais de estar diminuindo.
O orçamento da manutenção da paz proposto para o ano 2004-2005 é de 2,68 bilhões de dólares mas se novas missões forem criadas, poderá haver um acréscimo de mais 2 bilhões.
Todos os Estados-Membros são legalmente obrigados a contribuir com uma parcela dos custos da manutenção da paz, segundo uma fórmula complexa que eles próprios definiram. Apesar desta obrigação legal, em março de 2004, as contribuições em atraso dos Estados-Membros ascendiam a cerca de 2 bilhões de dólares.
Como são remunerados os capacetes azuis?
Os soldados integrados em missões de manutenção da paz são remunerados pelos respectivos governos de acordo com as patentes e as tabelas salariais nacionais. Os países que fornecem pessoal militar e da polícia a título voluntário para operações de manutenção da paz são reembolsados pela ONU a uma taxa fixa ligeiramente superior a mil dólares por soldado, por mês. A ONU também reembolsa os países por equipamento.
Quem contribui com pessoal?
A Carta das Nações Unidas estipula que, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, todos os Estados-Membros se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança as forças armadas e facilidades necessárias. Desde 1948, cerca de 130 países contribuíram com pessoal militar e da polícia civil para operações de paz. Embora não existam registros pormenorizados de todo o pessoal que prestou serviço em missões de manutenção da paz desde 1948, calcula-se que, nos últimos 56 anos, já prestaram serviço sob a bandeira da ONU cerca de um milhão de soldados, polícias e civis. Em março de 2004, havia mais de 51 mil elementos das forças armadas e da polícia de 94 países prestando serviço - o maior número desde 1995.
Em março de 2004, além do pessoal militar e da polícia, havia mais de 3 200 efetivos civis internacionais, 1 200 voluntários das Nações Unidas e 6 500 efetivos civis locais trabalhando em missões de manutenção da paz da ONU.
É permitido aos capacetes azuis da ONU usar a força?
Segundo o conceito tradicional de manutenção da paz, as forças da ONU devem estar desarmadas ou armadas com armas de pequeno calibre, apenas podendo usar a força em legítima defesa. No entanto, nos últimos anos, os acontecimentos deram origem a um debate sobre a forma de tornar os capacetes azuis mais eficazes em missões perigosas e complexas, assegurando simultaneamente a sua imparcialidade.
Constatou-se que as operações de manutenção da paz que não dispõem de recursos e efetivos suficientes ou de normas de intervenção militar fortes não têm condições para conter as facções armadas que surgem no período a seguir a uma guerra civil. Tem havido casos em que as próprias forças da ONU foram alvo de ataques e sofreram baixas. Ultimamente, o Conselho de Segurança tem baseado os mandatos das operações de manutenção da paz no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, permitindo que os capacetes azuis assumam uma postura enérgica, usando armas susceptíveis de produzir um efeito de dissuasão.
Embora afirme o direito de os capacetes azuis se defenderem e de defenderem aqueles cuja proteção têm a seu cargo, o Secretário-Geral tem sublinhado que esta nova "doutrina" não deve ser interpretada como um meio de transformar a ONU numa máquina de guerra, e que o uso da força deve ser sempre visto como uma medida de último recurso.
Porque os países devem contribuir com tropas para as missões de manutenção da paz da ONU?
Ao assinarem a Carta das Nações Unidas, todos os Estados-Membros concordaram em fornecer forças armadas para manter a paz e segurança internacionais: a manutenção da paz é uma responsabilidade internacional coletiva. Quando as condições são propícias ao seu êxito, as missões de manutenção da paz da ONU são uma ferramenta específica e incomparável de que a comunidade internacional dispõe para ajudar a resolver conflitos e impedir que guerras internas provoquem a desestabilização de regiões. Além disso, as missões de manutenção da paz são eficazes em termos de custos em comparação com os custos dos conflitos e a perda de vidas e a devastação econômica que provocam.
Por que as missões de manutenção da paz da ONU são essenciais no mundo atual?
Diversos motivos - políticos, econômicos ou sociais - somados ao descontentamento e a frustração das populações que não conseguem sair do círculo vicioso da pobreza, podem levar a guerras. Muitos dos conflitos dos nossos dias poderão parecer remotos para aqueles que não se encontram diretamente na linha de fogo. Mas as nações do mundo devem confrontar os riscos de uma intervenção com os perigos comprovados da inanição. Se a comunidade internacional não tentar controlar os conflitos e resolvê-los pacificamente, eles podem degenerar em conflitos maiores, envolvendo um maior número de protagonistas. A história recente tem demonstrado que as guerras civis entre facções diferentes num país podem provocar rapidamente a desestabilização de países vizinhos e alastrar a regiões inteiras. Nos tempos modernos, são poucos os conflitos que se podem considerar verdadeiramente "locais".
As atividades das operações de paz da ONU, por serem empreendidas em nome de uma Organização global composta por 191 Estados-Membros conferem-lhes uma legitimidade e universalidade únicas. As operações de manutenção da paz da ONU podem abrir portas que de outro modo permaneceriam fechadas aos esforços de pacificação e de consolidação da paz, aos esforços no sentido de assegurar uma paz duradoura.
Acordos de paz de Oslo
Isaac Rabin, Bill Clinton e Yasser Arafat durante os Acordos de Oslo, 13 de setembro de 1993.Os acordos de Oslo foram uma série de acordos na cidade de Oslo na Noruega entre o governo de Israel e o Presidente da OLP, Yasser Arafat mediados pelo presidente dos Estados Unidos da América, Bill Clinton. Assinaram acordos que se comprometiam a unir esforços para a realização da paz entre os dois povos. Estes acordos previam o término dos conflitos, a abertura das negociações sobre os territórios ocupados, a retirada de Israel do sul do Líbano e a questão do status de Jerusalém.
ONU deve aprovar resolução contra abuso aos bahá´ís no Irã
ONU deve aprovar resolução contra abuso aos bahá´ís no Irã
Adriana Carranca
Está em discussão na Organização das Nações Unidas (ONU) a aprovação de uma nova resolução para monitorar violações aos direitos humanos que estariam sendo cometidas pelo governo do Irã contra seguidores da Fé Bahá´í, fundada em 1844.
Desde a Revolução Islâmica, entidades de direitos humanos estimam que 250 bahá´ís tenham sido executados sem julgamento no Irã. O regime teocrático não reconhece a religião em sua Constituição, como ocorre com o cristianismo e o judaísmo. A resolução deve ser aprovada até o fim do mês.
Desde que foi fundada a religião bahá´í, estima-se que mais de 20 mil seguidores tenham sido mortos. A advogada paquistanesa Asma Jahangir, relatora especial da ONU para liberdade de religião e crença, desde 2004 acusa o governo de Mahmoud Ahmadinejad de apertar o cerco contra os bahá´ís. O governo teria determinado aos militares monitorar as atividades dos seguidores da fé.
''Com a Revolução Islâmica, de 1979, locais sagrados foram confiscados, os bahá?ís impedidos de entrar na universidade ou de receber aposentadoria e demitidos. As assembléias locais, presentes em cada cidade e país, foram banidas e seus integrantes mortos. Agora, está havendo um novo estrangulamento intelectual contra os seguidores. Até o passaporte lhes é negado'', diz Washington Araújo, diretor de comunicação da Comunidade Bahá´í no Brasil. O governo iraniano nega as acusações.
Na década de 1980, mais de 50 mil bahá´ís que deixaram o Irã para se refugiar em outros países, inclusive o Brasil. Com mais de 7 milhões de seguidores no mundo - 2 milhões deles na Índia, 350 mil no Irã e 150 mil dos Estados Unidos -, a religião bahá´í está entre as dez maiores do mundo e é a segunda mais espalhada, com presença em 178 países, segunda a enciclopédia britânica.
Para 57 mil brasileiros, o 'Natal' é hoje
Seguidores da fé bahá´í celebram o nascimento de Bahá?u?lláh, fundador de religião que surgiu na Pérsia
Adriana Carranca
Para uma parte dos brasileiros, hoje é noite de ''Natal''. Os mais de 7 milhões de seguidores da religião bahá´í - 57 mil deles vivem no Brasil - celebram nas 24 horas que separam o pôr-do-sol de hoje e o de amanhã o nascimento do profeta Bahá?u?lláh, fundador da religião que surgiu na Pérsia (atual Irã), em 1844. Eles foram chegando e conquistaram adeptos no Brasil a partir da década de 20, com a vinda de uma pioneira, espécie de missionária. Mas fixaram-se no País principalmente após a Revolução Islâmica, de 1979, como refugiados do regime dos aiatolás - a maioria teve como destino São Paulo.
Foi a primeira vez que o Itamaraty aceitou, a pedido da Organização das Nações Unidas (ONU), refugiados por motivo de perseguição religiosa. Por aqui, os bahá?ís construíram mais de 200 sedes, onde se reúnem esta noite com amigos e familiares em torno de orações, encenações religiosas e caprichadas ceias, para celebrar o nascimento do profeta - assim como fazem cristãos na noite de 24 de dezembro, a véspera de Natal. Presentes, no entanto, só são trocados em 21 de março, quando eles comemoram o Norouz (ano-novo, em persa).
Entre os seguidores da religião está a família do ex-ministro Luiz Gushiken - ele mesmo não é, já que são proibidas aos membros ligações político-partidárias -, o artista plástico Siron Franco e a cantora de jazz Flora Purim.
Internacionalmente, seu mais célebre seguidor é o trompetista Dizzy Gillespie. No Brasil, os bahá´ís fundaram instituições de ensino, como a Escola das Nações, em Brasília, hoje com 540 alunos de ensino básico e médio, de 57 países e diferentes religiões; uma escola gratuita para 1.200 carentes e a Faculdade Tahirih, ambos em Manaus. Em São Paulo, o grupo administra a ONG Associação Monte Carmelo. O monumento que marca a Eco-92, no Aterro do Flamengo, no Rio - uma escultura com terras de 150 nações - está entre obras de bahá´ís no Brasil.
Embora ainda pouco conhecida no País, a religião ganha adeptos. Na quinta-feira, o estudante de Psicologia Thonni Mendes Brandão, de 27 anos, foi um dos jovens do grupo de novos integrantes reunidos na sede bahá´í, nos Jardins. Batizado, ele já freqüentou candomblé e espiritismo, até se declarar agnóstico. Há um ano, tornou-se bahá´í.
''Vi um documentário sobre a religião e me identifiquei. Sou muito racional e a explicação bahá´í de que existe só uma religião e de que os profetas foram enviados, de tempos em tempos, para trazer mensagens me parece ter mais sentido.'' Entre os profetas estão Cristo, Abraão, Moisés, Buda e Maomé.
A sede bahá´í em São Paulo em nada lembra um local sagrado. Exceto por um desenho do sereno senhor de barbas longas e brancas, Abdul-Bahaá, filho de Bahá´u´lláh, e de duas laranjeiras no jardim. ''Foram plantadas com sementes originárias das árvores da casa de Báb, iraniano de Shiraz que anunciou a vinda do profeta, foi perseguido e fuzilado em 1850. Elas foram cortadas, mas as sementes vêm sendo espalhadas pelo mundo. Mudei o projeto para tê-las na entrada'', conta o arquiteto Flávio Rassekh, filho de uma muçulmana e um bahá´í de origem judaica.
Chahla Rassekh, de 62 anos, conheceu o marido no Irã quando passava trotes com as amigas, ligando para qualquer número. Os telefonemas duravam segundos, mas uma vez o alvo da brincadeira gostou da voz da jovem e insistiu para que se encontrassem - tímida, ela mandou uma amiga no lugar. Após muita insistência, eles se conheceram. A família não permitiu o namoro. Parviz mandou flores para Chahla todos os dias durante um ano até ela aceitar o pedido de casamento - e a família consentir. ''Ele era muito romântico.'' Três meses depois, em 1955, o casal chegou ao Brasil com 20 famílias - embora as violações de direitos tenham se intensificado após a Revolução Islâmica, os bahá´ís já sofriam perseguições no Irã. Outro motivo era difundir a religião. Como não há clérigos nem hierarquia de poder, os fiéis são estimulados a viajar.
Foi assim que chegou ao Rio a primeira bahá´í, a nova-iorquina Leonora Armstrong, em 1921 - uma placa na Praça Mauá marca a data. Ela pretendia ficar dois meses. A estada durou seis décadas, até sua morte, aos 85 anos, em Salvador. ''A Fé Bahá´í trouxe uma idéia revolucionária de unidade entre as religiões, um federalismo mundial e um idioma auxiliar global que influenciaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. No mesmo ano, a comunidade bahá´í foi a primeira organização sem fins lucrativos a ser creditada pela ONU'', diz Washington Araújo, de 47 anos, que adotou a religião aos 22 e já viajou para 46 países.
Para casal, Brasil é bom pela diversidade
Conviver com as diferenças traz aprendizado, diz família bahá´í
Adriana Carranca
Aos 20 anos, a iraniana Nahid Shams deixou para trás a família e o país em busca de melhores oportunidades. ''Não havia muitas chances para uma jovem mulher bahá´í como eu no Irã após a Revolução Islâmica.'' Ao lado de outros 16 jovens seguidores da mesma religião, Nahid pegou um ônibus até Zahedan, próximo à fronteira com o Paquistão, e, de lá, atravessou o deserto a pé, durante cinco dias, até o país vizinho. Na mesma época, estima-se que mais de 200 bahá´ís deixaram o Irã com destino ao Brasil.
''Na primeira tentativa de chegar perto da fronteira, atiraram contra nós. Tivemos de ficar um dia inteiro escondidos, sem água nem comida, até ter o sinal verde dos ´guias´ para seguir em frente novamente'', diz Nahid. ''Mas não tive medo. Tem momentos na vida que você tem de fazer escolhas. Não acredito que tudo é obra do destino.'' No Paquistão, Nahid conheceu Ramim, refugiado bahá´í como ela. Seis meses depois, com a ajuda da Agência da ONU para os Refugiados e da comunidade bahá´í, o casal chegou ao Brasil. ''Tínhamos US$ 100 e uma câmera fotográfica.''
Ramim conseguiu emprego em um laboratório fotográfico. Tornou-se fotógrafo profissional e, hoje, é dono de uma empresa de fotos para escolas. ''Eu terminei o ensino médio e queria fazer faculdade, mas, os bahá´ís não podiam cursar a universidade e tinham oportunidade de trabalho restritas. O governo parou de pagar a aposentadoria do meu pai. Também tive amigos assassinados'', conta Nahid, que hoje, mais de duas décadas depois de ter se refugiado no Brasil, cursa o segundo ano de Psicologia. ''Tivemos de refazer a vida. O começo foi duro. Agora que meus filhos estão crescidos, decidi realizar esse sonho.'' Ramim está no último ano de Marketing. O casal teve dois filhos no Brasil, Amir, de 17 anos, e Jena, de 18 anos.
''Foi importante criar meus filhos dentro da religião bahá´í porque ela ensina valores morais muito importantes'', diz Ramim. ''Tudo no Brasil é muito diferente, mas eu penso que isso é bom, porque é a diversidade que faz um aprender com o outro. O que vale é dar uma estrutura espiritual aos filhos, seja de que religião for'', diz Nahid. ''De acordo com a educação que tive, os jovens brasileiros são muito liberais. Mas, isso não impede que sejamos amigos. Eu tenho a minha cultura e eles têm a deles. Eu aprendi a respeitar as diferenças'', diz a filha, Jena.
Entre os princípios da fé bahá´í está a castidade antes do casamento. O divórcio é permitido tanto por iniciativa do homem como da mulher. Mas, antes que a separação de concretize, eles têm de atravessar um ''ano de paciência'', em que o casal vive em casas separadas, mas é estimulado pela assembléia bahá´í local a desfazer as diferenças e a reaver os laços de amor e amizade.
Fonte: Jornal ''O Estado de São Paulo'', Caderno Metrópolis, edição de 11 de novembro de 2007.
Adriana Carranca
Está em discussão na Organização das Nações Unidas (ONU) a aprovação de uma nova resolução para monitorar violações aos direitos humanos que estariam sendo cometidas pelo governo do Irã contra seguidores da Fé Bahá´í, fundada em 1844.
Desde a Revolução Islâmica, entidades de direitos humanos estimam que 250 bahá´ís tenham sido executados sem julgamento no Irã. O regime teocrático não reconhece a religião em sua Constituição, como ocorre com o cristianismo e o judaísmo. A resolução deve ser aprovada até o fim do mês.
Desde que foi fundada a religião bahá´í, estima-se que mais de 20 mil seguidores tenham sido mortos. A advogada paquistanesa Asma Jahangir, relatora especial da ONU para liberdade de religião e crença, desde 2004 acusa o governo de Mahmoud Ahmadinejad de apertar o cerco contra os bahá´ís. O governo teria determinado aos militares monitorar as atividades dos seguidores da fé.
''Com a Revolução Islâmica, de 1979, locais sagrados foram confiscados, os bahá?ís impedidos de entrar na universidade ou de receber aposentadoria e demitidos. As assembléias locais, presentes em cada cidade e país, foram banidas e seus integrantes mortos. Agora, está havendo um novo estrangulamento intelectual contra os seguidores. Até o passaporte lhes é negado'', diz Washington Araújo, diretor de comunicação da Comunidade Bahá´í no Brasil. O governo iraniano nega as acusações.
Na década de 1980, mais de 50 mil bahá´ís que deixaram o Irã para se refugiar em outros países, inclusive o Brasil. Com mais de 7 milhões de seguidores no mundo - 2 milhões deles na Índia, 350 mil no Irã e 150 mil dos Estados Unidos -, a religião bahá´í está entre as dez maiores do mundo e é a segunda mais espalhada, com presença em 178 países, segunda a enciclopédia britânica.
Para 57 mil brasileiros, o 'Natal' é hoje
Seguidores da fé bahá´í celebram o nascimento de Bahá?u?lláh, fundador de religião que surgiu na Pérsia
Adriana Carranca
Para uma parte dos brasileiros, hoje é noite de ''Natal''. Os mais de 7 milhões de seguidores da religião bahá´í - 57 mil deles vivem no Brasil - celebram nas 24 horas que separam o pôr-do-sol de hoje e o de amanhã o nascimento do profeta Bahá?u?lláh, fundador da religião que surgiu na Pérsia (atual Irã), em 1844. Eles foram chegando e conquistaram adeptos no Brasil a partir da década de 20, com a vinda de uma pioneira, espécie de missionária. Mas fixaram-se no País principalmente após a Revolução Islâmica, de 1979, como refugiados do regime dos aiatolás - a maioria teve como destino São Paulo.
Foi a primeira vez que o Itamaraty aceitou, a pedido da Organização das Nações Unidas (ONU), refugiados por motivo de perseguição religiosa. Por aqui, os bahá?ís construíram mais de 200 sedes, onde se reúnem esta noite com amigos e familiares em torno de orações, encenações religiosas e caprichadas ceias, para celebrar o nascimento do profeta - assim como fazem cristãos na noite de 24 de dezembro, a véspera de Natal. Presentes, no entanto, só são trocados em 21 de março, quando eles comemoram o Norouz (ano-novo, em persa).
Entre os seguidores da religião está a família do ex-ministro Luiz Gushiken - ele mesmo não é, já que são proibidas aos membros ligações político-partidárias -, o artista plástico Siron Franco e a cantora de jazz Flora Purim.
Internacionalmente, seu mais célebre seguidor é o trompetista Dizzy Gillespie. No Brasil, os bahá´ís fundaram instituições de ensino, como a Escola das Nações, em Brasília, hoje com 540 alunos de ensino básico e médio, de 57 países e diferentes religiões; uma escola gratuita para 1.200 carentes e a Faculdade Tahirih, ambos em Manaus. Em São Paulo, o grupo administra a ONG Associação Monte Carmelo. O monumento que marca a Eco-92, no Aterro do Flamengo, no Rio - uma escultura com terras de 150 nações - está entre obras de bahá´ís no Brasil.
Embora ainda pouco conhecida no País, a religião ganha adeptos. Na quinta-feira, o estudante de Psicologia Thonni Mendes Brandão, de 27 anos, foi um dos jovens do grupo de novos integrantes reunidos na sede bahá´í, nos Jardins. Batizado, ele já freqüentou candomblé e espiritismo, até se declarar agnóstico. Há um ano, tornou-se bahá´í.
''Vi um documentário sobre a religião e me identifiquei. Sou muito racional e a explicação bahá´í de que existe só uma religião e de que os profetas foram enviados, de tempos em tempos, para trazer mensagens me parece ter mais sentido.'' Entre os profetas estão Cristo, Abraão, Moisés, Buda e Maomé.
A sede bahá´í em São Paulo em nada lembra um local sagrado. Exceto por um desenho do sereno senhor de barbas longas e brancas, Abdul-Bahaá, filho de Bahá´u´lláh, e de duas laranjeiras no jardim. ''Foram plantadas com sementes originárias das árvores da casa de Báb, iraniano de Shiraz que anunciou a vinda do profeta, foi perseguido e fuzilado em 1850. Elas foram cortadas, mas as sementes vêm sendo espalhadas pelo mundo. Mudei o projeto para tê-las na entrada'', conta o arquiteto Flávio Rassekh, filho de uma muçulmana e um bahá´í de origem judaica.
Chahla Rassekh, de 62 anos, conheceu o marido no Irã quando passava trotes com as amigas, ligando para qualquer número. Os telefonemas duravam segundos, mas uma vez o alvo da brincadeira gostou da voz da jovem e insistiu para que se encontrassem - tímida, ela mandou uma amiga no lugar. Após muita insistência, eles se conheceram. A família não permitiu o namoro. Parviz mandou flores para Chahla todos os dias durante um ano até ela aceitar o pedido de casamento - e a família consentir. ''Ele era muito romântico.'' Três meses depois, em 1955, o casal chegou ao Brasil com 20 famílias - embora as violações de direitos tenham se intensificado após a Revolução Islâmica, os bahá´ís já sofriam perseguições no Irã. Outro motivo era difundir a religião. Como não há clérigos nem hierarquia de poder, os fiéis são estimulados a viajar.
Foi assim que chegou ao Rio a primeira bahá´í, a nova-iorquina Leonora Armstrong, em 1921 - uma placa na Praça Mauá marca a data. Ela pretendia ficar dois meses. A estada durou seis décadas, até sua morte, aos 85 anos, em Salvador. ''A Fé Bahá´í trouxe uma idéia revolucionária de unidade entre as religiões, um federalismo mundial e um idioma auxiliar global que influenciaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. No mesmo ano, a comunidade bahá´í foi a primeira organização sem fins lucrativos a ser creditada pela ONU'', diz Washington Araújo, de 47 anos, que adotou a religião aos 22 e já viajou para 46 países.
Para casal, Brasil é bom pela diversidade
Conviver com as diferenças traz aprendizado, diz família bahá´í
Adriana Carranca
Aos 20 anos, a iraniana Nahid Shams deixou para trás a família e o país em busca de melhores oportunidades. ''Não havia muitas chances para uma jovem mulher bahá´í como eu no Irã após a Revolução Islâmica.'' Ao lado de outros 16 jovens seguidores da mesma religião, Nahid pegou um ônibus até Zahedan, próximo à fronteira com o Paquistão, e, de lá, atravessou o deserto a pé, durante cinco dias, até o país vizinho. Na mesma época, estima-se que mais de 200 bahá´ís deixaram o Irã com destino ao Brasil.
''Na primeira tentativa de chegar perto da fronteira, atiraram contra nós. Tivemos de ficar um dia inteiro escondidos, sem água nem comida, até ter o sinal verde dos ´guias´ para seguir em frente novamente'', diz Nahid. ''Mas não tive medo. Tem momentos na vida que você tem de fazer escolhas. Não acredito que tudo é obra do destino.'' No Paquistão, Nahid conheceu Ramim, refugiado bahá´í como ela. Seis meses depois, com a ajuda da Agência da ONU para os Refugiados e da comunidade bahá´í, o casal chegou ao Brasil. ''Tínhamos US$ 100 e uma câmera fotográfica.''
Ramim conseguiu emprego em um laboratório fotográfico. Tornou-se fotógrafo profissional e, hoje, é dono de uma empresa de fotos para escolas. ''Eu terminei o ensino médio e queria fazer faculdade, mas, os bahá´ís não podiam cursar a universidade e tinham oportunidade de trabalho restritas. O governo parou de pagar a aposentadoria do meu pai. Também tive amigos assassinados'', conta Nahid, que hoje, mais de duas décadas depois de ter se refugiado no Brasil, cursa o segundo ano de Psicologia. ''Tivemos de refazer a vida. O começo foi duro. Agora que meus filhos estão crescidos, decidi realizar esse sonho.'' Ramim está no último ano de Marketing. O casal teve dois filhos no Brasil, Amir, de 17 anos, e Jena, de 18 anos.
''Foi importante criar meus filhos dentro da religião bahá´í porque ela ensina valores morais muito importantes'', diz Ramim. ''Tudo no Brasil é muito diferente, mas eu penso que isso é bom, porque é a diversidade que faz um aprender com o outro. O que vale é dar uma estrutura espiritual aos filhos, seja de que religião for'', diz Nahid. ''De acordo com a educação que tive, os jovens brasileiros são muito liberais. Mas, isso não impede que sejamos amigos. Eu tenho a minha cultura e eles têm a deles. Eu aprendi a respeitar as diferenças'', diz a filha, Jena.
Entre os princípios da fé bahá´í está a castidade antes do casamento. O divórcio é permitido tanto por iniciativa do homem como da mulher. Mas, antes que a separação de concretize, eles têm de atravessar um ''ano de paciência'', em que o casal vive em casas separadas, mas é estimulado pela assembléia bahá´í local a desfazer as diferenças e a reaver os laços de amor e amizade.
Fonte: Jornal ''O Estado de São Paulo'', Caderno Metrópolis, edição de 11 de novembro de 2007.
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
Quem Está Escrevendo o Futuro?
Reflexões a Respeito do Século Vinte
Comunidade Internacional Bahá'í
Em 28 de maio de 1992, a Câmara dos Deputados do Brasil reuniu-se em sessão solene para celebrar o centenário de falecimento de Bahá’u’lláh, cuja influência está se tornando uma característica cada dia mais familiar no cenário social e político do mundo. Sua mensagem de unidade, claramente, tocara fundo os legisladores brasileiros. Durante a cerimônia, oradores representando todos os partidos da Câmara prestaram homenagem a um conjunto de escritos que um dos deputados descreveu como “a mais colossal obra religiosa jamais escrita pela pena de um único Homem”, bem como a uma visão do futuro de nosso planeta a qual, “transcendendo fronteiras materiais”, nas palavras de ainda outro parlamentar, “abarcou a humanidade inteira, sem considerar as diferenças mesquinhas de nacionalidade, raça, limites e crenças.”
O tributo foi especialmente marcante pelo fato de que, na terra de seu nascimento, a obra de Bahá’u’lláh continua a ser violentamente condenada pelo clero muçulmano que governa o Irã. Aqueles que os precederam foram responsáveis por seu exílio e aprisionamento nos anos intermédios do século dezenove e pelo massacre de milhares daqueles que compartilhavam seus ideais para a transformação da vida e da sociedade humanas. Ao mesmo tempo em que transcorria a cerimônia em Brasília, os 300 000 bahá’ís vivendo no Irã eram submetidos a perseguições, privações e, em muitos casos, ao aprisionamento e à morte, por se recusarem a abjurar convicções que são alvo de louvor em praticamente todo o resto do mundo.
Semelhante oposição caracterizou as atitudes de vários regimes totalitários ao longo do último século.
Qual a natureza deste conjunto de idéias que tem despertado reações tão radicalmente antagônicas?
I
O cerne da mensagem de Bahá’u’lláh é uma exposição da natureza fundamentalmente espiritual da realidade e das leis que governam sua operação. Ela não apenas vê cada pessoa como um ser espiritual, uma “alma racional”, mas também insiste que todo o empreendimento que chamamos de civilização é, em si próprio, um processo espiritual no qual a mente e o coração humanos desenvolveram meios cada vez mais complexos e eficientes para expressar as capacidades morais e intelectuais que lhes são inerentes.
Ao rejeitar os dogmas reinantes do materialismo, Bahá’u’lláh defende uma interpretação diferente do processo histórico. A humanidade, ponta de lança da evolução da consciência, passa por estágios análogos aos períodos de infância e adolescência na vida de cada um de seus membros. Esta jornada nos conduziu ao limiar de nossa tão esperada maioridade como uma espécie humana unificada. As guerras, a exploração e os preconceitos que têm caracterizado os estágios imaturos deste processo não deveriam ser causa de desesperança, mas sim servir de estímulo para assumirmos as responsabilidades da maturidade coletiva.
Ao escrever aos líderes políticos e religiosos de sua época, Bahá’u’lláh dizia que novas capacidades de poder incalculável ? mais além da capacidade de entendimento daquela geração ? estavam desabrochando nos povos do mundo, capacidades estas que em breve transformariam a vida material do planeta. Segundo afirmava, era essencial transformar esses avanços materiais vindouros em veículos para o desenvolvimento moral e social. Caso os conflitos nacionalistas e sectários impedissem tal desenvolvimento, então o progresso material produziria não apenas benefícios, mas também males inimagináveis. Algumas das advertências de Bahá’u’lláh despertam ecos sombrios ainda em nossos dias: “Coisas estranhas, espantosas, existem na terra”, advertiu ele. “Tais coisas são capazes de mudar toda a atmosfera da terra, e sua contaminação provaria ser letal” .
II
Segundo Bahá’u’lláh, a questão espiritual fundamental que desafia todos os povos, de qualquer nação, religião ou origem étnica, é o estabelecimento dos alicerces de uma sociedade global que reflita a unidade da natureza humana. A unificação dos habitantes da terra não é nem uma remota visão utópica, nem, tampouco, no final das contas, uma questão de escolha. Ela representa o próximo estágio inevitável no processo de evolução social, um estágio em direção ao qual todas as experiências do passado e do presente nos estão conduzindo. A menos que essa questão seja reconhecida e tratada, nenhum dos males que afetam nosso planeta será solucionado, porque todos os desafios fundamentais da era na qual ingressamos são de natureza global e universal, e não particulares ou regionais.
Os muitos textos das escrituras de Bahá’u’lláh referentes à chegada da maioridade da raça humana estão permeados pelo uso que faz da luz como uma metáfora para expressar o poder transformador da unidade: “Tão poderosa é a luz da unidade”, afirmam, “que pode iluminar a terra inteira.” Essa afirmação coloca a história contemporânea numa perspectiva totalmente diferente da que prevalece neste final do século vinte. Ela nos insta a descobrir ? em meio ao sofrimento e caos de nossos dias ? a operação de forças que estão liberando a consciência humana para um novo estágio de sua evolução. Chama-nos a reexaminar os acontecimentos dos últimos cem anos e seus efeitos sobre o conjunto heterogêneo de povos, raças, nações e comunidades sobre os quais tais mudanças atuaram.
Se, como Bahá’u’lláh afirma, “o bem-estar da humanidade, sua paz e segurança, são inatingíveis, a não ser que, primeiro, se estabeleça firmemente sua unidade” , é compreensível porque os bahá’ís consideram o século vinte ? com todos os seus desastres ? como o “século de luz” . Pois estes cem anos testemunharam uma transformação tanto na forma como nós, os habitantes do planeta, começamos a planejar nosso futuro coletivo, quanto na maneira em que nos vemos uns aos outros. A marca distintiva de ambos os processos tem sido a unificação. Problemas além da capacidade de controle das instituições existentes fizeram com que os líderes mundiais começassem a implementar novos sistemas de organização global que seriam impensáveis no início do século. Ao mesmo tempo, ocorria a rápida erosão de hábitos e atitudes que dividiram povos e nações ao longo de incontáveis séculos, e que pareciam destinados a perdurar pelas eras vindouras.
No período mediano deste século, estes dois processos produziram um avanço cuja significação histórica somente será devidamente apreciada por gerações futuras. Em meio às conseqüências funestas da Segunda Guerra Mundial, líderes com grande visão de futuro perceberam ser finalmente possível começar, através da Organização das Nações Unidas, a consolidação das bases da ordem mundial. O novo sistema de convenções internacionais e organismos correspondentes, que havia sido há muito sonhado por pensadores progressistas, fora agora dotado com poderes vitais que haviam sido negados à abortiva Liga das Nações. À medida que o século avançava, as forças primitivas do sistema de manutenção da paz internacional foram progressivamente exercitadas, e puderam demonstrar de forma persuasiva o que pode ser conquistado. Ao mesmo tempo, ocorreu a expansão contínua de instituições democráticas de governo em todo o mundo. Conquanto os efeitos práticos ainda sejam desapontadores, isto de modo algum diminui o significado da histórica e irreversível mudança de rumo ocorrida na organização dos assuntos humanos.
E assim como ocorreu com a ordem mundial, também se deu com os direitos dos povos do mundo. A divulgação dos sofrimentos estarrecedores que afligiram as vítimas da perversidade humana durante a guerra causou consternação mundial ? e um sentimento que só pode ser descrito como profunda vergonha. Desta experiência traumática nasceu um novo tipo de comprometimento moral que foi formalmente institucionalizado nos trabalhos da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e seus organismos associados, avanço este que seria inconcebível para os governantes do século dezenove aos quais Bahá’u’lláh se havia manifestado sobre o assunto. Reforçado com esta legitimidade, um conjunto crescente de organizações não-governamentais dedicou-se a garantir que a Declaração Universal de Direitos Humanos fosse estabelecida como a base dos critérios normativos internacionais e que fosse devidamente obedecida.
Um processo paralelo ocorreu em relação à vida econômica. Durante a primeira metade do século, como conseqüência dos estragos causados pela grande depressão, muitos governos adotaram medidas legislativas para a criação de programas de bem-estar social e sistemas de controle financeiro, fundos de reserva e normas de comércio que protegessem a sociedade de seus países da repetição de experiências tão devastadoras. O período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial trouxe consigo o estabelecimento de instituições com um campo de operação global: o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio e uma rede de agências de desenvolvimento dedicadas a racionalizar e promover a prosperidade material do planeta. Ao encerrar-se o século ? não importa quais sejam as intenções nem quão inadequados os instrumentos atuais ? as massas da humanidade puderam comprovar que o uso das riquezas do planeta pode ser reorganizado em resposta a concepções inteiramente novas sobre quais são as necessidades existentes.
O efeito dessas mudanças se viu grandemente ampliado pela expansão acelerada da educação das massas. Além da disposição dos governos nacionais e locais de alocar recursos muito maiores a este campo e da habilidade da sociedade em mobilizar e capacitar um exército de professores com qualificação profissional, dois outros avanços ocorridos a nível internacional durante o século vinte tiveram uma influência particular. O primeiro foi uma série de planos de desenvolvimento centrados nas necessidades educacionais, os quais dispunham de enormes recursos financeiros provenientes de instituições como o Banco Mundial, organismos governamentais, grandes fundações e diversos ramos do sistema das Nações Unidas. O segundo foi a explosão da tecnologia de informação, a qual tornou todos os habitantes do planeta potenciais beneficiários de todo o saber acumulado pela raça humana.
Este processo de reorganização em escala planetária foi animado e reforçado por uma profunda mudança de consciência. Populações inteiras viram-se repentinamente forçadas a pagar o preço por hábitos de pensamento arraigados e causadores de conflito ? e de fazê-lo ante a censura mundial que condenava o que antes se reputava como práticas e atitudes aceitáveis. Isso estimulou uma mudança revolucionária no modo como as pessoas vêem umas às outras.
Ao longo da história, por exemplo, a experiência parecia demonstrar ? e os ensinamentos religiosos pareciam confirmar ? que as mulheres eram por natureza essencialmente inferiores aos homens. Então, da noite para o dia, numa perspectiva histórica, essa noção dominante subitamente começou a se desintegrar em todas as terras. Por mais longo e penoso que seja o processo de trazer plenamente à realidade a afirmação de Bahá’u’lláh de que as mulheres e os homens são iguais em todos os sentidos, o fato é que a cada dia se torna mais fraco o apoio moral e intelectual a qualquer visão que contradiga esta realidade.
Outra característica da maneira como a humanidade via a si mesma ao longo dos milênios passados era a exaltação das diferenças étnicas, coisa que, nos séculos recentes, cristalizou-se em várias fantasias racistas. Com uma rapidez impressionante, se considerada a perspectiva histórica, o século vinte viu a unidade da espécie humana estabelecer-se como princípio norteador da ordem internacional. Hoje em dia, os conflitos étnicos que continuam assolando várias partes do mundo não mais são vistos como um aspecto natural das relações entre povos distintos, mas sim como aberrações arbitrárias que precisam ser submetidas a um controle internacional efetivo.
Durante a longa infância da humanidade, também, pensava-se ? outra vez com a total concordância da religião institucionalizada ? que a pobreza era uma característica permanente e inevitável da ordem social. Agora, porém, essa mentalidade, cujas premissas moldaram as prioridades de todos os sistemas econômicos que o mundo conheceu, já foi universalmente rejeitada. Pelo menos em teoria, em todas as partes os governos são vistos essencialmente como fiduciários responsáveis por garantir o bem-estar de todos os membros da sociedade.
Especialmente significativa ? por sua relação íntima com as raízes da motivação humana ? foi o afrouxamento das amarras do preconceito religioso. Antecipado pelo “Parlamento das Religiões”, que atraiu intenso interesse no final do século dezenove, o processo de diálogo e colaboração entre as religiões reforçou os efeitos da secularização no sentido de abalar as muralhas antes inexpugnáveis da autoridade clerical. Em vista da transformação experimentada pelas concepções religiosas nos últimos cem anos, até mesmo as explosões contemporâneas de reação fundamentalista podem ser vistas, em retrospectiva, como nada mais que desesperadas ações de retaguarda contra a dissolução inevitável do controle sectário. Nas palavras de Bahá’u’lláh, “Não pode haver dúvida alguma de que os povos do mundo, de qualquer raça ou religião que sejam, derivam sua inspiração de uma só Fonte Celestial e são súditos de um só Deus.”
Durante estes críticos decênios, a consciência humana também experimentou mudanças fundamentais em seu modo de compreender o universo físico. A primeira metade do século testemunhou como as novas teorias da Relatividade e da Mecânica Quântica ? ambas intimamente relacionadas com a natureza e o comportamento da luz ? revolucionaram o campo da Física e alteraram por completo o rumo do desenvolvimento científico. Tornou-se evidente que a Física clássica somente podia explicar os fenômenos dentro de um campo limitado. Subitamente abrira-se uma nova porta para o estudo tanto dos mais diminutos componentes do universo quanto de seus imensos sistemas cosmológicos, mudança esta cujos efeitos foram muito além das fronteiras da Física e abalaram as próprias bases da cosmovisão que durante séculos dominara o pensamento científico. Perderam-se para sempre as imagens de um universo mecânico que funcionava como um relógio e a suposta independência entre o observador e o observado, entre a mente e a matéria. Com base nos fecundos estudos que assim se tornaram possíveis, a ciência teórica agora começa a investigar a possibilidade de que a intenção e a inteligência sejam de fato inerentes à natureza e à operação do universo.
No rastro dessas mudanças conceituais, a humanidade ingressou numa era na qual a interação entre as ciências da natureza ? Física, Química e Biologia, juntamente com a nascente ciência da Ecologia ? inaugurou possibilidades espantosas para o aprimoramento da vida. Impressionantes são os benefícios colhidos em áreas de tão vital interesse como a agricultura e a medicina, bem como os decorrentes do aproveitamento eficaz de novas fontes de energia. Ao mesmo tempo, o novo campo da ciência dos materiais começou a oferecer uma rica gama de recursos especializados desconhecidos no início do século, como o plástico, as fibras óticas e as fibras de carbono.
Tais progressos na ciência e na tecnologia tiveram efeitos recíprocos. Grãos de areia ? o elemento material mais humilde e de menor valor aparente ? metamorfoseados em lâminas de silício e cristal ótico depurado viabilizaram a criação de redes de comunicação mundial. Isto, juntamente com o emprego de sistemas de satélite cada vez mais sofisticados, começou a permitir que pessoas de todas as partes, sem distinção, tivessem acesso ao conhecimento acumulado de toda a espécie humana. É evidente que as décadas de um futuro próximo verão a integração das tecnologias da informática, telefonia e televisão num único sistema unificado de comunicação e informação, cujos aparelhos estarão disponíveis em larga escala e a baixo custo. Seria difícil exagerar o impacto psicológico e social resultante da esperada substituição da atual mistura confusa de sistemas monetários ? para muitos o último baluarte do orgulho nacional ? por uma única moeda mundial transacionada principalmente através de impulsos eletrônicos.
Efetivamente, o efeito unificador da revolução do século vinte se mostra especialmente claro nas repercussões resultantes das mudanças ocorridas na vida científica e tecnológica. O nível mais óbvio é que a espécie humana agora domina os meios necessários para implementar as metas visionárias evocadas por uma consciência em constante amadurecimento. Numa visão mais profunda, esta capacitação está agora virtualmente ao alcance de todos os habitantes da terra, sem distinção de raça, cultura ou nação. “Uma vida nova”, foi a visão profética de Bahá’u’lláh, “nesta era, está vibrando em todos os povos da terra; contudo, ninguém lhe descobriu a causa nem percebeu o motivo” . Hoje, passado mais de um século desde que tais palavras foram escritas, as implicações de tudo o que ocorreu desde então começam a ser evidentes para todos aqueles que refletem.
III
Apreciar as transformações experimentadas durante o período histórico que agora finda não significa negar a escuridão concomitante que marca, com forte contraste, estas conquistas: o extermínio deliberado de milhões de seres humanos, a invenção e o uso de novas armas de destruição capazes de aniquilar toda uma população, o surgimento de ideologias que sufocaram a vida intelectual e espiritual de nações inteiras, o dano causado ao meio ambiente numa escala tão maciça que pode exigir séculos para ser revertido, e o dano incalculavelmente maior sofrido por gerações de crianças ensinadas a crer que a violência, a indecência e o egoísmo são vitórias da liberdade individual. Estes são apenas os mais óbvios de um rol de males sem igual na história, cujas lições nossa era deixará de legado para a educação das gerações purificadas que nos sucederão.
A escuridão, entretanto, não é um fenômeno dotado de existência própria, muito menos de autonomia. Ela não pode apagar a luz, nem enfraquecê-la; tão somente demarca aquelas áreas não atingidas pela luz, ou que são pouco iluminadas. É dessa forma que, certamente, o século vinte será julgado pelos historiadores de uma era mais madura e desapaixonada. A ferocidade da natureza animal ? irrefreada ao longo destes anos críticos e que, em certas ocasiões, pareceu ameaçar a própria sobrevivência da sociedade ?, de fato, não impediu a manifestação progressiva das potencialidades criativas que a mente humana possui. Pelo contrário. À medida em que avançava o século, um número crescente de pessoas despertou para a vacuidade das lealdades e a irrealidade dos temores que as haviam aprisionado apenas poucos anos antes.
“Incomparável é este Dia”, insiste Bahá’u’lláh, “pois é como olhos para séculos e eras passados, como uma luz para a escuridão dos tempos” . Vista desta perspectiva, a questão não é a escuridão que freiou e obscureceu o progresso alcançado nos cem anos extraordinários que agora terminam. Trata-se, isto sim, de considerar quanto sofrimento e desgraça nossa espécie terá ainda de sofrer até que aceitemos de coração a natureza espiritual que faz de nós um só povo e tenhamos coragem para planejar nosso futuro à luz das lições aprendidas através de tanta dor.
IV
A concepção dos rumos futuros da civilização exposta nos escritos de Bahá’u’lláh desafia boa parte daquilo que hoje se impõe em nosso mundo como normativo e imutável. Os avanços alcançados durante o século de luz abriram o caminho para um novo tipo de mundo. Se a evolução social e intelectual realmente se dá em resposta a uma inteligência moral inerente à existência, grande parte da teoria que orienta os enfoques contemporâneos em relação à tomada de decisões é fatalmente defeituosa. Se a consciência humana é de natureza essencialmente espiritual ? conforme sempre foi a intuição da grande maioria das pessoas simples ? então suas necessidades de desenvolvimento não podem ser nem compreendidas nem supridas por uma interpretação da realidade que insiste dogmaticamente no sentido contrário.
Nenhum aspecto da civilização contemporânea é mais frontalmente questionado pela concepção de Bahá’u’lláh a respeito do futuro, do que o culto reinante ao individualismo, o qual se difundiu na maior parte do mundo. Alimentado por forças culturais como as ideologias políticas, o elitismo acadêmico e a sociedade de consumo, a “busca da felicidade” fez brotar um sentimento agressivo e quase ilimitado de direito pessoal. As conseqüências morais foram corrosivas tanto para o indivíduo quanto para a sociedade ? e devastadoras em termos de enfermidades, dependência de drogas e outras pragas tão lamentavelmente familiares a este final de século. A tarefa de livrar a humanidade de um erro tão fundamental e tão difundido exigirá o questionamento de algumas das suposições mais arraigadas desenvolvidas pelo século vinte a respeito do que é certo e do que é errado.
Quais são algumas destas suposições não questionadas? A mais óbvia é a convicção de que a unidade é um ideal longínquo, quase inatingível, a ser buscado apenas depois que se tenha resolvido, não se sabe bem como, uma miríade de conflitos políticos, necessidades materiais e injustiças. Bahá’u’lláh afirma que é justamente o contrário que deve ocorrer. A enfermidade fundamental que aflige a sociedade e gera os males que a mutilam, Ele assegura, é a desunião de uma espécie que se distingue por sua capacidade de colaboração e cujo progresso, até hoje, dependeu da medida em que, em diferentes épocas e em diversas sociedades, uma ação unificada pôde ser lograda. Aferrar-se à noção de que o conflito é um traço intrínseco à natureza humana, em vez de um complexo de hábitos e atitudes aprendidos, significa impor ao novo século um erro que, mais do que qualquer outro fator isolado, prejudicou tragicamente o passado da humanidade. “Vede o mundo”, aconselhou Bahá’u’lláh aos líderes eleitos da humanidade, “como o corpo humano, o qual, embora inteiro e perfeito no tempo de sua criação, tem sido afligido, por várias causas, com graves males e doenças.”
Há ainda um segundo desafio moral, intimamente relacionado com a questão da unidade, que o século que agora termina levantou com urgência cada vez maior. Aos olhos de Deus, Bahá’u’lláh insiste, a justiça é “a mais amada de todas as coisas” . Através dela cada pessoa pode enxergar a realidade com seus próprios olhos, e não com os alheios, e ela dota a tomada coletiva de decisões com aquela autoridade que é a única garantia da unidade de pensamentos e ação. Por mais gratificante que seja o sistema de ordem internacional nascido das experiências dilacerantes do século vinte, sua influência duradoura dependerá da aceitação do princípio moral nele implícito. Se o corpo da humanidade é realmente uno e indivisível, então a autoridade exercida por suas instituições governantes representa, essencialmente, um fideicomisso. Cada indivíduo vem ao mundo como uma responsabilidade do todo, e é esse aspecto da existência humana que constitui o verdadeiro alicerce dos direitos sociais, econômicos e culturais articulados na Carta das Nações Unidas e em seus documentos subsidiários. A justiça e a unidade têm efeitos recíprocos. “O objetivo da justiça”, Bahá’u’lláh escreveu, “é fazer aparecer entre os homens a unidade. O oceano da sabedoria divina surge dentro desta palavra elevada, enquanto os livros do mundo não podem conter seu significado mais íntimo.”
À medida que a humanidade se compromete ? ainda que de forma hesitante e temerosa ? com esses e outros princípios morais correlacionados, o papel mais significativo oferecido ao indivíduo será o de servir aos demais. Um dos paradoxos da vida humana é que o desenvolvimento do próprio eu se dá primariamente através da consagração a um empreendimento maior no qual o eu ? mesmo que apenas temporariamente ? é esquecido. Numa era que oferece às pessoas de qualquer condição uma oportunidade para participar efetivamente na construção da própria ordem social, o ideal do serviço aos demais assume um significado inteiramente novo. Exaltar metas tais como o consumo e a autopromoção como sendo o propósito da vida significa promover acima de tudo o lado animal da natureza humana. Tampouco podem as mensagens simplistas de salvação pessoal atender aos anseios de gerações que puderam comprovar, com absoluta certeza, que a verdadeira plenitude é tanto um assunto deste mundo quanto do vindouro. “Cuidai zelosamente das necessidades da era em que viveis”, é o conselho de Bahá’u’lláh, “e concentrai vossas deliberações em suas exigências e seus requisitos”.
Essas perspectivas têm implicações profundas no que se refere à condução dos assuntos humanos. É óbvio, por exemplo, que, independente de suas contribuições no passado, quanto mais o Estado-Nação perdurar como influência dominante na determinação do destino da humanidade, tanto mais tardará a conquista da paz mundial e tanto maior será o sofrimento infligido à população do mundo. Na vida econômica da humanidade, não importa quão grandes tenham sido as bênçãos trazidas pela globalização, é evidente que este processo também gerou uma concentração de poder autocrático sem paralelo, que precisa ser colocada sob o controle democrático internacional a fim de não ser causa da pobreza e do desespero de incontáveis milhões. De igual modo, os avanços históricos na tecnologia da comunicação e da informação, que representam um meio tão poderoso para a promoção do desenvolvimento social e para o aprofundamento da consciência dos povos em relação à sua natureza comum, pode, com força idêntica, desviar ou embrutecer impulsos que são vitais para a promoção deste processo.
V
O tema que Bahá’u’lláh apresenta é uma nova relação entre Deus e os homens, que esteja de acordo com a nascente maturidade da raça humana. A Realidade última que criou e sustenta o universo permanecerá para sempre além do alcance da mente humana. A relação consciente da humanidade com ela, na medida em que foi estabelecida, deu-se como resultado da influência dos Fundadores das grandes religiões: Moisés, Zoroastro, Buda, Jesus, Maomé e outros personagens anteriores cujos nomes, em sua maior parte, caíram no esquecimento. Ao responder a estes impulsos do divino, os povos da terra desenvolveram progressivamente as capacidades espirituais, intelectuais e morais que atuaram em conjunto para civilizar o caráter humano. Este processo milenar e cumulativo alcançou agora aquele estágio característico de todos os momentos decisivos dos processos evolutivos, quando, subitamente, possibilidades nunca antes imaginadas se manifestam: “Este é o Dia”, assevera Bahá’u’lláh, “em que os mais excelentes favores de Deus manaram sobre os homens, o Dia em que Sua graça suprema se infundiu em todas as coisas criadas.”
Vista através dos olhos de Bahá’u’lláh, a história das tribos, povos e nações chegou, efetivamente, ao seu fim. O que presenciamos agora é o início da história da humanidade, a história de uma espécie humana consciente de sua própria unicidade. Para esta hora decisiva no curso da civilização, seus escritos oferecem uma redefinição da natureza e do processo da civilização e uma reorientação de suas prioridades. Seu objetivo é chamar-nos de volta à consciência e à responsabilidade espirituais.
Nada existe nos escritos de Bahá’u’lláh que abone a ilusão de que as mudanças previstas serão alcançadas facilmente. Muito pelo contrário. Como os acontecimentos do século vinte já demonstraram, padrões de hábito e atitude arraigados durante milênios não são abandonados espontaneamente, nem simplesmente em resposta à educação e à ação legislativa. Seja na vida dos indivíduos como na da sociedade, mudanças profundas em geral ocorrem como resposta ao sofrimento intenso e a dificuldades insuportáveis que não deixam outra saída. É precisamente uma experiência de tamanho sofrimento, advertiu Bahá’u’lláh, que se faz necessária para fundir os diversos povos da terra em um só povo.
A concepção espiritual e a materialista quanto à natureza da realidade são irreconciliáveis entre si e conduzem a direções opostas. Ao abrir-se um novo século, a rota determinada pela segunda destas visões antagônicas já fez com que a humanidade, desafortunada, vagasse muito além dos limites até onde se podia, em certa época, alimentar uma ilusão da racionalidade, ou, ainda menos, de bem-estar humano. A cada dia que passa, multiplicam-se os sinais de que as pessoas, em todas as partes, estão despertando para este entendimento.
A despeito da opinião prevalecente em sentido contrário, a espécie humana não é uma tábua rasa sobre a qual alguns árbitros privilegiados dos assuntos humanos podem inscrever livremente seus próprios desejos. As fontes do espírito manam onde e como queiram. E elas não serão indefinidamente refreadas pelos detritos da sociedade contemporânea. Não se faz mais necessária uma visão profética para perceber que os anos iniciais do novo século testemunharão a liberação de energias e aspirações infinitamente mais poderosas do que as rotinas, falsidades e vícios acumulados que por tanto tempo impediram sua expressão.
Por maior que seja o tumulto, o período no qual a humanidade está ingressando abrirá a cada indivíduo, cada instituição e cada comunidade da terra oportunidades sem precedentes para participar na tarefa de escrever o futuro do planeta. “Breve”, é a promessa segura de Bahá’u’lláh, “será a presente ordem posta de lado, e uma nova ordem se estenderá em seu lugar.” -
Quem está escrevendo o futuro?
Reflexões sobre o Século XX
foi elaborado pela Comunidade Internacional Bahá'í.
Maiores informações: info@bahai.org.br
Sinta-se à vontade para comentar este documento.
Oportunamente incluíremos neste site uma seção com reflexões e comentários sobre o tema
Comunidade Internacional Bahá'í
Em 28 de maio de 1992, a Câmara dos Deputados do Brasil reuniu-se em sessão solene para celebrar o centenário de falecimento de Bahá’u’lláh, cuja influência está se tornando uma característica cada dia mais familiar no cenário social e político do mundo. Sua mensagem de unidade, claramente, tocara fundo os legisladores brasileiros. Durante a cerimônia, oradores representando todos os partidos da Câmara prestaram homenagem a um conjunto de escritos que um dos deputados descreveu como “a mais colossal obra religiosa jamais escrita pela pena de um único Homem”, bem como a uma visão do futuro de nosso planeta a qual, “transcendendo fronteiras materiais”, nas palavras de ainda outro parlamentar, “abarcou a humanidade inteira, sem considerar as diferenças mesquinhas de nacionalidade, raça, limites e crenças.”
O tributo foi especialmente marcante pelo fato de que, na terra de seu nascimento, a obra de Bahá’u’lláh continua a ser violentamente condenada pelo clero muçulmano que governa o Irã. Aqueles que os precederam foram responsáveis por seu exílio e aprisionamento nos anos intermédios do século dezenove e pelo massacre de milhares daqueles que compartilhavam seus ideais para a transformação da vida e da sociedade humanas. Ao mesmo tempo em que transcorria a cerimônia em Brasília, os 300 000 bahá’ís vivendo no Irã eram submetidos a perseguições, privações e, em muitos casos, ao aprisionamento e à morte, por se recusarem a abjurar convicções que são alvo de louvor em praticamente todo o resto do mundo.
Semelhante oposição caracterizou as atitudes de vários regimes totalitários ao longo do último século.
Qual a natureza deste conjunto de idéias que tem despertado reações tão radicalmente antagônicas?
I
O cerne da mensagem de Bahá’u’lláh é uma exposição da natureza fundamentalmente espiritual da realidade e das leis que governam sua operação. Ela não apenas vê cada pessoa como um ser espiritual, uma “alma racional”, mas também insiste que todo o empreendimento que chamamos de civilização é, em si próprio, um processo espiritual no qual a mente e o coração humanos desenvolveram meios cada vez mais complexos e eficientes para expressar as capacidades morais e intelectuais que lhes são inerentes.
Ao rejeitar os dogmas reinantes do materialismo, Bahá’u’lláh defende uma interpretação diferente do processo histórico. A humanidade, ponta de lança da evolução da consciência, passa por estágios análogos aos períodos de infância e adolescência na vida de cada um de seus membros. Esta jornada nos conduziu ao limiar de nossa tão esperada maioridade como uma espécie humana unificada. As guerras, a exploração e os preconceitos que têm caracterizado os estágios imaturos deste processo não deveriam ser causa de desesperança, mas sim servir de estímulo para assumirmos as responsabilidades da maturidade coletiva.
Ao escrever aos líderes políticos e religiosos de sua época, Bahá’u’lláh dizia que novas capacidades de poder incalculável ? mais além da capacidade de entendimento daquela geração ? estavam desabrochando nos povos do mundo, capacidades estas que em breve transformariam a vida material do planeta. Segundo afirmava, era essencial transformar esses avanços materiais vindouros em veículos para o desenvolvimento moral e social. Caso os conflitos nacionalistas e sectários impedissem tal desenvolvimento, então o progresso material produziria não apenas benefícios, mas também males inimagináveis. Algumas das advertências de Bahá’u’lláh despertam ecos sombrios ainda em nossos dias: “Coisas estranhas, espantosas, existem na terra”, advertiu ele. “Tais coisas são capazes de mudar toda a atmosfera da terra, e sua contaminação provaria ser letal” .
II
Segundo Bahá’u’lláh, a questão espiritual fundamental que desafia todos os povos, de qualquer nação, religião ou origem étnica, é o estabelecimento dos alicerces de uma sociedade global que reflita a unidade da natureza humana. A unificação dos habitantes da terra não é nem uma remota visão utópica, nem, tampouco, no final das contas, uma questão de escolha. Ela representa o próximo estágio inevitável no processo de evolução social, um estágio em direção ao qual todas as experiências do passado e do presente nos estão conduzindo. A menos que essa questão seja reconhecida e tratada, nenhum dos males que afetam nosso planeta será solucionado, porque todos os desafios fundamentais da era na qual ingressamos são de natureza global e universal, e não particulares ou regionais.
Os muitos textos das escrituras de Bahá’u’lláh referentes à chegada da maioridade da raça humana estão permeados pelo uso que faz da luz como uma metáfora para expressar o poder transformador da unidade: “Tão poderosa é a luz da unidade”, afirmam, “que pode iluminar a terra inteira.” Essa afirmação coloca a história contemporânea numa perspectiva totalmente diferente da que prevalece neste final do século vinte. Ela nos insta a descobrir ? em meio ao sofrimento e caos de nossos dias ? a operação de forças que estão liberando a consciência humana para um novo estágio de sua evolução. Chama-nos a reexaminar os acontecimentos dos últimos cem anos e seus efeitos sobre o conjunto heterogêneo de povos, raças, nações e comunidades sobre os quais tais mudanças atuaram.
Se, como Bahá’u’lláh afirma, “o bem-estar da humanidade, sua paz e segurança, são inatingíveis, a não ser que, primeiro, se estabeleça firmemente sua unidade” , é compreensível porque os bahá’ís consideram o século vinte ? com todos os seus desastres ? como o “século de luz” . Pois estes cem anos testemunharam uma transformação tanto na forma como nós, os habitantes do planeta, começamos a planejar nosso futuro coletivo, quanto na maneira em que nos vemos uns aos outros. A marca distintiva de ambos os processos tem sido a unificação. Problemas além da capacidade de controle das instituições existentes fizeram com que os líderes mundiais começassem a implementar novos sistemas de organização global que seriam impensáveis no início do século. Ao mesmo tempo, ocorria a rápida erosão de hábitos e atitudes que dividiram povos e nações ao longo de incontáveis séculos, e que pareciam destinados a perdurar pelas eras vindouras.
No período mediano deste século, estes dois processos produziram um avanço cuja significação histórica somente será devidamente apreciada por gerações futuras. Em meio às conseqüências funestas da Segunda Guerra Mundial, líderes com grande visão de futuro perceberam ser finalmente possível começar, através da Organização das Nações Unidas, a consolidação das bases da ordem mundial. O novo sistema de convenções internacionais e organismos correspondentes, que havia sido há muito sonhado por pensadores progressistas, fora agora dotado com poderes vitais que haviam sido negados à abortiva Liga das Nações. À medida que o século avançava, as forças primitivas do sistema de manutenção da paz internacional foram progressivamente exercitadas, e puderam demonstrar de forma persuasiva o que pode ser conquistado. Ao mesmo tempo, ocorreu a expansão contínua de instituições democráticas de governo em todo o mundo. Conquanto os efeitos práticos ainda sejam desapontadores, isto de modo algum diminui o significado da histórica e irreversível mudança de rumo ocorrida na organização dos assuntos humanos.
E assim como ocorreu com a ordem mundial, também se deu com os direitos dos povos do mundo. A divulgação dos sofrimentos estarrecedores que afligiram as vítimas da perversidade humana durante a guerra causou consternação mundial ? e um sentimento que só pode ser descrito como profunda vergonha. Desta experiência traumática nasceu um novo tipo de comprometimento moral que foi formalmente institucionalizado nos trabalhos da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e seus organismos associados, avanço este que seria inconcebível para os governantes do século dezenove aos quais Bahá’u’lláh se havia manifestado sobre o assunto. Reforçado com esta legitimidade, um conjunto crescente de organizações não-governamentais dedicou-se a garantir que a Declaração Universal de Direitos Humanos fosse estabelecida como a base dos critérios normativos internacionais e que fosse devidamente obedecida.
Um processo paralelo ocorreu em relação à vida econômica. Durante a primeira metade do século, como conseqüência dos estragos causados pela grande depressão, muitos governos adotaram medidas legislativas para a criação de programas de bem-estar social e sistemas de controle financeiro, fundos de reserva e normas de comércio que protegessem a sociedade de seus países da repetição de experiências tão devastadoras. O período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial trouxe consigo o estabelecimento de instituições com um campo de operação global: o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio e uma rede de agências de desenvolvimento dedicadas a racionalizar e promover a prosperidade material do planeta. Ao encerrar-se o século ? não importa quais sejam as intenções nem quão inadequados os instrumentos atuais ? as massas da humanidade puderam comprovar que o uso das riquezas do planeta pode ser reorganizado em resposta a concepções inteiramente novas sobre quais são as necessidades existentes.
O efeito dessas mudanças se viu grandemente ampliado pela expansão acelerada da educação das massas. Além da disposição dos governos nacionais e locais de alocar recursos muito maiores a este campo e da habilidade da sociedade em mobilizar e capacitar um exército de professores com qualificação profissional, dois outros avanços ocorridos a nível internacional durante o século vinte tiveram uma influência particular. O primeiro foi uma série de planos de desenvolvimento centrados nas necessidades educacionais, os quais dispunham de enormes recursos financeiros provenientes de instituições como o Banco Mundial, organismos governamentais, grandes fundações e diversos ramos do sistema das Nações Unidas. O segundo foi a explosão da tecnologia de informação, a qual tornou todos os habitantes do planeta potenciais beneficiários de todo o saber acumulado pela raça humana.
Este processo de reorganização em escala planetária foi animado e reforçado por uma profunda mudança de consciência. Populações inteiras viram-se repentinamente forçadas a pagar o preço por hábitos de pensamento arraigados e causadores de conflito ? e de fazê-lo ante a censura mundial que condenava o que antes se reputava como práticas e atitudes aceitáveis. Isso estimulou uma mudança revolucionária no modo como as pessoas vêem umas às outras.
Ao longo da história, por exemplo, a experiência parecia demonstrar ? e os ensinamentos religiosos pareciam confirmar ? que as mulheres eram por natureza essencialmente inferiores aos homens. Então, da noite para o dia, numa perspectiva histórica, essa noção dominante subitamente começou a se desintegrar em todas as terras. Por mais longo e penoso que seja o processo de trazer plenamente à realidade a afirmação de Bahá’u’lláh de que as mulheres e os homens são iguais em todos os sentidos, o fato é que a cada dia se torna mais fraco o apoio moral e intelectual a qualquer visão que contradiga esta realidade.
Outra característica da maneira como a humanidade via a si mesma ao longo dos milênios passados era a exaltação das diferenças étnicas, coisa que, nos séculos recentes, cristalizou-se em várias fantasias racistas. Com uma rapidez impressionante, se considerada a perspectiva histórica, o século vinte viu a unidade da espécie humana estabelecer-se como princípio norteador da ordem internacional. Hoje em dia, os conflitos étnicos que continuam assolando várias partes do mundo não mais são vistos como um aspecto natural das relações entre povos distintos, mas sim como aberrações arbitrárias que precisam ser submetidas a um controle internacional efetivo.
Durante a longa infância da humanidade, também, pensava-se ? outra vez com a total concordância da religião institucionalizada ? que a pobreza era uma característica permanente e inevitável da ordem social. Agora, porém, essa mentalidade, cujas premissas moldaram as prioridades de todos os sistemas econômicos que o mundo conheceu, já foi universalmente rejeitada. Pelo menos em teoria, em todas as partes os governos são vistos essencialmente como fiduciários responsáveis por garantir o bem-estar de todos os membros da sociedade.
Especialmente significativa ? por sua relação íntima com as raízes da motivação humana ? foi o afrouxamento das amarras do preconceito religioso. Antecipado pelo “Parlamento das Religiões”, que atraiu intenso interesse no final do século dezenove, o processo de diálogo e colaboração entre as religiões reforçou os efeitos da secularização no sentido de abalar as muralhas antes inexpugnáveis da autoridade clerical. Em vista da transformação experimentada pelas concepções religiosas nos últimos cem anos, até mesmo as explosões contemporâneas de reação fundamentalista podem ser vistas, em retrospectiva, como nada mais que desesperadas ações de retaguarda contra a dissolução inevitável do controle sectário. Nas palavras de Bahá’u’lláh, “Não pode haver dúvida alguma de que os povos do mundo, de qualquer raça ou religião que sejam, derivam sua inspiração de uma só Fonte Celestial e são súditos de um só Deus.”
Durante estes críticos decênios, a consciência humana também experimentou mudanças fundamentais em seu modo de compreender o universo físico. A primeira metade do século testemunhou como as novas teorias da Relatividade e da Mecânica Quântica ? ambas intimamente relacionadas com a natureza e o comportamento da luz ? revolucionaram o campo da Física e alteraram por completo o rumo do desenvolvimento científico. Tornou-se evidente que a Física clássica somente podia explicar os fenômenos dentro de um campo limitado. Subitamente abrira-se uma nova porta para o estudo tanto dos mais diminutos componentes do universo quanto de seus imensos sistemas cosmológicos, mudança esta cujos efeitos foram muito além das fronteiras da Física e abalaram as próprias bases da cosmovisão que durante séculos dominara o pensamento científico. Perderam-se para sempre as imagens de um universo mecânico que funcionava como um relógio e a suposta independência entre o observador e o observado, entre a mente e a matéria. Com base nos fecundos estudos que assim se tornaram possíveis, a ciência teórica agora começa a investigar a possibilidade de que a intenção e a inteligência sejam de fato inerentes à natureza e à operação do universo.
No rastro dessas mudanças conceituais, a humanidade ingressou numa era na qual a interação entre as ciências da natureza ? Física, Química e Biologia, juntamente com a nascente ciência da Ecologia ? inaugurou possibilidades espantosas para o aprimoramento da vida. Impressionantes são os benefícios colhidos em áreas de tão vital interesse como a agricultura e a medicina, bem como os decorrentes do aproveitamento eficaz de novas fontes de energia. Ao mesmo tempo, o novo campo da ciência dos materiais começou a oferecer uma rica gama de recursos especializados desconhecidos no início do século, como o plástico, as fibras óticas e as fibras de carbono.
Tais progressos na ciência e na tecnologia tiveram efeitos recíprocos. Grãos de areia ? o elemento material mais humilde e de menor valor aparente ? metamorfoseados em lâminas de silício e cristal ótico depurado viabilizaram a criação de redes de comunicação mundial. Isto, juntamente com o emprego de sistemas de satélite cada vez mais sofisticados, começou a permitir que pessoas de todas as partes, sem distinção, tivessem acesso ao conhecimento acumulado de toda a espécie humana. É evidente que as décadas de um futuro próximo verão a integração das tecnologias da informática, telefonia e televisão num único sistema unificado de comunicação e informação, cujos aparelhos estarão disponíveis em larga escala e a baixo custo. Seria difícil exagerar o impacto psicológico e social resultante da esperada substituição da atual mistura confusa de sistemas monetários ? para muitos o último baluarte do orgulho nacional ? por uma única moeda mundial transacionada principalmente através de impulsos eletrônicos.
Efetivamente, o efeito unificador da revolução do século vinte se mostra especialmente claro nas repercussões resultantes das mudanças ocorridas na vida científica e tecnológica. O nível mais óbvio é que a espécie humana agora domina os meios necessários para implementar as metas visionárias evocadas por uma consciência em constante amadurecimento. Numa visão mais profunda, esta capacitação está agora virtualmente ao alcance de todos os habitantes da terra, sem distinção de raça, cultura ou nação. “Uma vida nova”, foi a visão profética de Bahá’u’lláh, “nesta era, está vibrando em todos os povos da terra; contudo, ninguém lhe descobriu a causa nem percebeu o motivo” . Hoje, passado mais de um século desde que tais palavras foram escritas, as implicações de tudo o que ocorreu desde então começam a ser evidentes para todos aqueles que refletem.
III
Apreciar as transformações experimentadas durante o período histórico que agora finda não significa negar a escuridão concomitante que marca, com forte contraste, estas conquistas: o extermínio deliberado de milhões de seres humanos, a invenção e o uso de novas armas de destruição capazes de aniquilar toda uma população, o surgimento de ideologias que sufocaram a vida intelectual e espiritual de nações inteiras, o dano causado ao meio ambiente numa escala tão maciça que pode exigir séculos para ser revertido, e o dano incalculavelmente maior sofrido por gerações de crianças ensinadas a crer que a violência, a indecência e o egoísmo são vitórias da liberdade individual. Estes são apenas os mais óbvios de um rol de males sem igual na história, cujas lições nossa era deixará de legado para a educação das gerações purificadas que nos sucederão.
A escuridão, entretanto, não é um fenômeno dotado de existência própria, muito menos de autonomia. Ela não pode apagar a luz, nem enfraquecê-la; tão somente demarca aquelas áreas não atingidas pela luz, ou que são pouco iluminadas. É dessa forma que, certamente, o século vinte será julgado pelos historiadores de uma era mais madura e desapaixonada. A ferocidade da natureza animal ? irrefreada ao longo destes anos críticos e que, em certas ocasiões, pareceu ameaçar a própria sobrevivência da sociedade ?, de fato, não impediu a manifestação progressiva das potencialidades criativas que a mente humana possui. Pelo contrário. À medida em que avançava o século, um número crescente de pessoas despertou para a vacuidade das lealdades e a irrealidade dos temores que as haviam aprisionado apenas poucos anos antes.
“Incomparável é este Dia”, insiste Bahá’u’lláh, “pois é como olhos para séculos e eras passados, como uma luz para a escuridão dos tempos” . Vista desta perspectiva, a questão não é a escuridão que freiou e obscureceu o progresso alcançado nos cem anos extraordinários que agora terminam. Trata-se, isto sim, de considerar quanto sofrimento e desgraça nossa espécie terá ainda de sofrer até que aceitemos de coração a natureza espiritual que faz de nós um só povo e tenhamos coragem para planejar nosso futuro à luz das lições aprendidas através de tanta dor.
IV
A concepção dos rumos futuros da civilização exposta nos escritos de Bahá’u’lláh desafia boa parte daquilo que hoje se impõe em nosso mundo como normativo e imutável. Os avanços alcançados durante o século de luz abriram o caminho para um novo tipo de mundo. Se a evolução social e intelectual realmente se dá em resposta a uma inteligência moral inerente à existência, grande parte da teoria que orienta os enfoques contemporâneos em relação à tomada de decisões é fatalmente defeituosa. Se a consciência humana é de natureza essencialmente espiritual ? conforme sempre foi a intuição da grande maioria das pessoas simples ? então suas necessidades de desenvolvimento não podem ser nem compreendidas nem supridas por uma interpretação da realidade que insiste dogmaticamente no sentido contrário.
Nenhum aspecto da civilização contemporânea é mais frontalmente questionado pela concepção de Bahá’u’lláh a respeito do futuro, do que o culto reinante ao individualismo, o qual se difundiu na maior parte do mundo. Alimentado por forças culturais como as ideologias políticas, o elitismo acadêmico e a sociedade de consumo, a “busca da felicidade” fez brotar um sentimento agressivo e quase ilimitado de direito pessoal. As conseqüências morais foram corrosivas tanto para o indivíduo quanto para a sociedade ? e devastadoras em termos de enfermidades, dependência de drogas e outras pragas tão lamentavelmente familiares a este final de século. A tarefa de livrar a humanidade de um erro tão fundamental e tão difundido exigirá o questionamento de algumas das suposições mais arraigadas desenvolvidas pelo século vinte a respeito do que é certo e do que é errado.
Quais são algumas destas suposições não questionadas? A mais óbvia é a convicção de que a unidade é um ideal longínquo, quase inatingível, a ser buscado apenas depois que se tenha resolvido, não se sabe bem como, uma miríade de conflitos políticos, necessidades materiais e injustiças. Bahá’u’lláh afirma que é justamente o contrário que deve ocorrer. A enfermidade fundamental que aflige a sociedade e gera os males que a mutilam, Ele assegura, é a desunião de uma espécie que se distingue por sua capacidade de colaboração e cujo progresso, até hoje, dependeu da medida em que, em diferentes épocas e em diversas sociedades, uma ação unificada pôde ser lograda. Aferrar-se à noção de que o conflito é um traço intrínseco à natureza humana, em vez de um complexo de hábitos e atitudes aprendidos, significa impor ao novo século um erro que, mais do que qualquer outro fator isolado, prejudicou tragicamente o passado da humanidade. “Vede o mundo”, aconselhou Bahá’u’lláh aos líderes eleitos da humanidade, “como o corpo humano, o qual, embora inteiro e perfeito no tempo de sua criação, tem sido afligido, por várias causas, com graves males e doenças.”
Há ainda um segundo desafio moral, intimamente relacionado com a questão da unidade, que o século que agora termina levantou com urgência cada vez maior. Aos olhos de Deus, Bahá’u’lláh insiste, a justiça é “a mais amada de todas as coisas” . Através dela cada pessoa pode enxergar a realidade com seus próprios olhos, e não com os alheios, e ela dota a tomada coletiva de decisões com aquela autoridade que é a única garantia da unidade de pensamentos e ação. Por mais gratificante que seja o sistema de ordem internacional nascido das experiências dilacerantes do século vinte, sua influência duradoura dependerá da aceitação do princípio moral nele implícito. Se o corpo da humanidade é realmente uno e indivisível, então a autoridade exercida por suas instituições governantes representa, essencialmente, um fideicomisso. Cada indivíduo vem ao mundo como uma responsabilidade do todo, e é esse aspecto da existência humana que constitui o verdadeiro alicerce dos direitos sociais, econômicos e culturais articulados na Carta das Nações Unidas e em seus documentos subsidiários. A justiça e a unidade têm efeitos recíprocos. “O objetivo da justiça”, Bahá’u’lláh escreveu, “é fazer aparecer entre os homens a unidade. O oceano da sabedoria divina surge dentro desta palavra elevada, enquanto os livros do mundo não podem conter seu significado mais íntimo.”
À medida que a humanidade se compromete ? ainda que de forma hesitante e temerosa ? com esses e outros princípios morais correlacionados, o papel mais significativo oferecido ao indivíduo será o de servir aos demais. Um dos paradoxos da vida humana é que o desenvolvimento do próprio eu se dá primariamente através da consagração a um empreendimento maior no qual o eu ? mesmo que apenas temporariamente ? é esquecido. Numa era que oferece às pessoas de qualquer condição uma oportunidade para participar efetivamente na construção da própria ordem social, o ideal do serviço aos demais assume um significado inteiramente novo. Exaltar metas tais como o consumo e a autopromoção como sendo o propósito da vida significa promover acima de tudo o lado animal da natureza humana. Tampouco podem as mensagens simplistas de salvação pessoal atender aos anseios de gerações que puderam comprovar, com absoluta certeza, que a verdadeira plenitude é tanto um assunto deste mundo quanto do vindouro. “Cuidai zelosamente das necessidades da era em que viveis”, é o conselho de Bahá’u’lláh, “e concentrai vossas deliberações em suas exigências e seus requisitos”.
Essas perspectivas têm implicações profundas no que se refere à condução dos assuntos humanos. É óbvio, por exemplo, que, independente de suas contribuições no passado, quanto mais o Estado-Nação perdurar como influência dominante na determinação do destino da humanidade, tanto mais tardará a conquista da paz mundial e tanto maior será o sofrimento infligido à população do mundo. Na vida econômica da humanidade, não importa quão grandes tenham sido as bênçãos trazidas pela globalização, é evidente que este processo também gerou uma concentração de poder autocrático sem paralelo, que precisa ser colocada sob o controle democrático internacional a fim de não ser causa da pobreza e do desespero de incontáveis milhões. De igual modo, os avanços históricos na tecnologia da comunicação e da informação, que representam um meio tão poderoso para a promoção do desenvolvimento social e para o aprofundamento da consciência dos povos em relação à sua natureza comum, pode, com força idêntica, desviar ou embrutecer impulsos que são vitais para a promoção deste processo.
V
O tema que Bahá’u’lláh apresenta é uma nova relação entre Deus e os homens, que esteja de acordo com a nascente maturidade da raça humana. A Realidade última que criou e sustenta o universo permanecerá para sempre além do alcance da mente humana. A relação consciente da humanidade com ela, na medida em que foi estabelecida, deu-se como resultado da influência dos Fundadores das grandes religiões: Moisés, Zoroastro, Buda, Jesus, Maomé e outros personagens anteriores cujos nomes, em sua maior parte, caíram no esquecimento. Ao responder a estes impulsos do divino, os povos da terra desenvolveram progressivamente as capacidades espirituais, intelectuais e morais que atuaram em conjunto para civilizar o caráter humano. Este processo milenar e cumulativo alcançou agora aquele estágio característico de todos os momentos decisivos dos processos evolutivos, quando, subitamente, possibilidades nunca antes imaginadas se manifestam: “Este é o Dia”, assevera Bahá’u’lláh, “em que os mais excelentes favores de Deus manaram sobre os homens, o Dia em que Sua graça suprema se infundiu em todas as coisas criadas.”
Vista através dos olhos de Bahá’u’lláh, a história das tribos, povos e nações chegou, efetivamente, ao seu fim. O que presenciamos agora é o início da história da humanidade, a história de uma espécie humana consciente de sua própria unicidade. Para esta hora decisiva no curso da civilização, seus escritos oferecem uma redefinição da natureza e do processo da civilização e uma reorientação de suas prioridades. Seu objetivo é chamar-nos de volta à consciência e à responsabilidade espirituais.
Nada existe nos escritos de Bahá’u’lláh que abone a ilusão de que as mudanças previstas serão alcançadas facilmente. Muito pelo contrário. Como os acontecimentos do século vinte já demonstraram, padrões de hábito e atitude arraigados durante milênios não são abandonados espontaneamente, nem simplesmente em resposta à educação e à ação legislativa. Seja na vida dos indivíduos como na da sociedade, mudanças profundas em geral ocorrem como resposta ao sofrimento intenso e a dificuldades insuportáveis que não deixam outra saída. É precisamente uma experiência de tamanho sofrimento, advertiu Bahá’u’lláh, que se faz necessária para fundir os diversos povos da terra em um só povo.
A concepção espiritual e a materialista quanto à natureza da realidade são irreconciliáveis entre si e conduzem a direções opostas. Ao abrir-se um novo século, a rota determinada pela segunda destas visões antagônicas já fez com que a humanidade, desafortunada, vagasse muito além dos limites até onde se podia, em certa época, alimentar uma ilusão da racionalidade, ou, ainda menos, de bem-estar humano. A cada dia que passa, multiplicam-se os sinais de que as pessoas, em todas as partes, estão despertando para este entendimento.
A despeito da opinião prevalecente em sentido contrário, a espécie humana não é uma tábua rasa sobre a qual alguns árbitros privilegiados dos assuntos humanos podem inscrever livremente seus próprios desejos. As fontes do espírito manam onde e como queiram. E elas não serão indefinidamente refreadas pelos detritos da sociedade contemporânea. Não se faz mais necessária uma visão profética para perceber que os anos iniciais do novo século testemunharão a liberação de energias e aspirações infinitamente mais poderosas do que as rotinas, falsidades e vícios acumulados que por tanto tempo impediram sua expressão.
Por maior que seja o tumulto, o período no qual a humanidade está ingressando abrirá a cada indivíduo, cada instituição e cada comunidade da terra oportunidades sem precedentes para participar na tarefa de escrever o futuro do planeta. “Breve”, é a promessa segura de Bahá’u’lláh, “será a presente ordem posta de lado, e uma nova ordem se estenderá em seu lugar.” -
Quem está escrevendo o futuro?
Reflexões sobre o Século XX
foi elaborado pela Comunidade Internacional Bahá'í.
Maiores informações: info@bahai.org.br
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