ONU deve aprovar resolução contra abuso aos bahá´ís no Irã
Adriana Carranca
Está em discussão na Organização das Nações Unidas (ONU) a aprovação de uma nova resolução para monitorar violações aos direitos humanos que estariam sendo cometidas pelo governo do Irã contra seguidores da Fé Bahá´í, fundada em 1844.
Desde a Revolução Islâmica, entidades de direitos humanos estimam que 250 bahá´ís tenham sido executados sem julgamento no Irã. O regime teocrático não reconhece a religião em sua Constituição, como ocorre com o cristianismo e o judaísmo. A resolução deve ser aprovada até o fim do mês.
Desde que foi fundada a religião bahá´í, estima-se que mais de 20 mil seguidores tenham sido mortos. A advogada paquistanesa Asma Jahangir, relatora especial da ONU para liberdade de religião e crença, desde 2004 acusa o governo de Mahmoud Ahmadinejad de apertar o cerco contra os bahá´ís. O governo teria determinado aos militares monitorar as atividades dos seguidores da fé.
''Com a Revolução Islâmica, de 1979, locais sagrados foram confiscados, os bahá?ís impedidos de entrar na universidade ou de receber aposentadoria e demitidos. As assembléias locais, presentes em cada cidade e país, foram banidas e seus integrantes mortos. Agora, está havendo um novo estrangulamento intelectual contra os seguidores. Até o passaporte lhes é negado'', diz Washington Araújo, diretor de comunicação da Comunidade Bahá´í no Brasil. O governo iraniano nega as acusações.
Na década de 1980, mais de 50 mil bahá´ís que deixaram o Irã para se refugiar em outros países, inclusive o Brasil. Com mais de 7 milhões de seguidores no mundo - 2 milhões deles na Índia, 350 mil no Irã e 150 mil dos Estados Unidos -, a religião bahá´í está entre as dez maiores do mundo e é a segunda mais espalhada, com presença em 178 países, segunda a enciclopédia britânica.
Para 57 mil brasileiros, o 'Natal' é hoje
Seguidores da fé bahá´í celebram o nascimento de Bahá?u?lláh, fundador de religião que surgiu na Pérsia
Adriana Carranca
Para uma parte dos brasileiros, hoje é noite de ''Natal''. Os mais de 7 milhões de seguidores da religião bahá´í - 57 mil deles vivem no Brasil - celebram nas 24 horas que separam o pôr-do-sol de hoje e o de amanhã o nascimento do profeta Bahá?u?lláh, fundador da religião que surgiu na Pérsia (atual Irã), em 1844. Eles foram chegando e conquistaram adeptos no Brasil a partir da década de 20, com a vinda de uma pioneira, espécie de missionária. Mas fixaram-se no País principalmente após a Revolução Islâmica, de 1979, como refugiados do regime dos aiatolás - a maioria teve como destino São Paulo.
Foi a primeira vez que o Itamaraty aceitou, a pedido da Organização das Nações Unidas (ONU), refugiados por motivo de perseguição religiosa. Por aqui, os bahá?ís construíram mais de 200 sedes, onde se reúnem esta noite com amigos e familiares em torno de orações, encenações religiosas e caprichadas ceias, para celebrar o nascimento do profeta - assim como fazem cristãos na noite de 24 de dezembro, a véspera de Natal. Presentes, no entanto, só são trocados em 21 de março, quando eles comemoram o Norouz (ano-novo, em persa).
Entre os seguidores da religião está a família do ex-ministro Luiz Gushiken - ele mesmo não é, já que são proibidas aos membros ligações político-partidárias -, o artista plástico Siron Franco e a cantora de jazz Flora Purim.
Internacionalmente, seu mais célebre seguidor é o trompetista Dizzy Gillespie. No Brasil, os bahá´ís fundaram instituições de ensino, como a Escola das Nações, em Brasília, hoje com 540 alunos de ensino básico e médio, de 57 países e diferentes religiões; uma escola gratuita para 1.200 carentes e a Faculdade Tahirih, ambos em Manaus. Em São Paulo, o grupo administra a ONG Associação Monte Carmelo. O monumento que marca a Eco-92, no Aterro do Flamengo, no Rio - uma escultura com terras de 150 nações - está entre obras de bahá´ís no Brasil.
Embora ainda pouco conhecida no País, a religião ganha adeptos. Na quinta-feira, o estudante de Psicologia Thonni Mendes Brandão, de 27 anos, foi um dos jovens do grupo de novos integrantes reunidos na sede bahá´í, nos Jardins. Batizado, ele já freqüentou candomblé e espiritismo, até se declarar agnóstico. Há um ano, tornou-se bahá´í.
''Vi um documentário sobre a religião e me identifiquei. Sou muito racional e a explicação bahá´í de que existe só uma religião e de que os profetas foram enviados, de tempos em tempos, para trazer mensagens me parece ter mais sentido.'' Entre os profetas estão Cristo, Abraão, Moisés, Buda e Maomé.
A sede bahá´í em São Paulo em nada lembra um local sagrado. Exceto por um desenho do sereno senhor de barbas longas e brancas, Abdul-Bahaá, filho de Bahá´u´lláh, e de duas laranjeiras no jardim. ''Foram plantadas com sementes originárias das árvores da casa de Báb, iraniano de Shiraz que anunciou a vinda do profeta, foi perseguido e fuzilado em 1850. Elas foram cortadas, mas as sementes vêm sendo espalhadas pelo mundo. Mudei o projeto para tê-las na entrada'', conta o arquiteto Flávio Rassekh, filho de uma muçulmana e um bahá´í de origem judaica.
Chahla Rassekh, de 62 anos, conheceu o marido no Irã quando passava trotes com as amigas, ligando para qualquer número. Os telefonemas duravam segundos, mas uma vez o alvo da brincadeira gostou da voz da jovem e insistiu para que se encontrassem - tímida, ela mandou uma amiga no lugar. Após muita insistência, eles se conheceram. A família não permitiu o namoro. Parviz mandou flores para Chahla todos os dias durante um ano até ela aceitar o pedido de casamento - e a família consentir. ''Ele era muito romântico.'' Três meses depois, em 1955, o casal chegou ao Brasil com 20 famílias - embora as violações de direitos tenham se intensificado após a Revolução Islâmica, os bahá´ís já sofriam perseguições no Irã. Outro motivo era difundir a religião. Como não há clérigos nem hierarquia de poder, os fiéis são estimulados a viajar.
Foi assim que chegou ao Rio a primeira bahá´í, a nova-iorquina Leonora Armstrong, em 1921 - uma placa na Praça Mauá marca a data. Ela pretendia ficar dois meses. A estada durou seis décadas, até sua morte, aos 85 anos, em Salvador. ''A Fé Bahá´í trouxe uma idéia revolucionária de unidade entre as religiões, um federalismo mundial e um idioma auxiliar global que influenciaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. No mesmo ano, a comunidade bahá´í foi a primeira organização sem fins lucrativos a ser creditada pela ONU'', diz Washington Araújo, de 47 anos, que adotou a religião aos 22 e já viajou para 46 países.
Para casal, Brasil é bom pela diversidade
Conviver com as diferenças traz aprendizado, diz família bahá´í
Adriana Carranca
Aos 20 anos, a iraniana Nahid Shams deixou para trás a família e o país em busca de melhores oportunidades. ''Não havia muitas chances para uma jovem mulher bahá´í como eu no Irã após a Revolução Islâmica.'' Ao lado de outros 16 jovens seguidores da mesma religião, Nahid pegou um ônibus até Zahedan, próximo à fronteira com o Paquistão, e, de lá, atravessou o deserto a pé, durante cinco dias, até o país vizinho. Na mesma época, estima-se que mais de 200 bahá´ís deixaram o Irã com destino ao Brasil.
''Na primeira tentativa de chegar perto da fronteira, atiraram contra nós. Tivemos de ficar um dia inteiro escondidos, sem água nem comida, até ter o sinal verde dos ´guias´ para seguir em frente novamente'', diz Nahid. ''Mas não tive medo. Tem momentos na vida que você tem de fazer escolhas. Não acredito que tudo é obra do destino.'' No Paquistão, Nahid conheceu Ramim, refugiado bahá´í como ela. Seis meses depois, com a ajuda da Agência da ONU para os Refugiados e da comunidade bahá´í, o casal chegou ao Brasil. ''Tínhamos US$ 100 e uma câmera fotográfica.''
Ramim conseguiu emprego em um laboratório fotográfico. Tornou-se fotógrafo profissional e, hoje, é dono de uma empresa de fotos para escolas. ''Eu terminei o ensino médio e queria fazer faculdade, mas, os bahá´ís não podiam cursar a universidade e tinham oportunidade de trabalho restritas. O governo parou de pagar a aposentadoria do meu pai. Também tive amigos assassinados'', conta Nahid, que hoje, mais de duas décadas depois de ter se refugiado no Brasil, cursa o segundo ano de Psicologia. ''Tivemos de refazer a vida. O começo foi duro. Agora que meus filhos estão crescidos, decidi realizar esse sonho.'' Ramim está no último ano de Marketing. O casal teve dois filhos no Brasil, Amir, de 17 anos, e Jena, de 18 anos.
''Foi importante criar meus filhos dentro da religião bahá´í porque ela ensina valores morais muito importantes'', diz Ramim. ''Tudo no Brasil é muito diferente, mas eu penso que isso é bom, porque é a diversidade que faz um aprender com o outro. O que vale é dar uma estrutura espiritual aos filhos, seja de que religião for'', diz Nahid. ''De acordo com a educação que tive, os jovens brasileiros são muito liberais. Mas, isso não impede que sejamos amigos. Eu tenho a minha cultura e eles têm a deles. Eu aprendi a respeitar as diferenças'', diz a filha, Jena.
Entre os princípios da fé bahá´í está a castidade antes do casamento. O divórcio é permitido tanto por iniciativa do homem como da mulher. Mas, antes que a separação de concretize, eles têm de atravessar um ''ano de paciência'', em que o casal vive em casas separadas, mas é estimulado pela assembléia bahá´í local a desfazer as diferenças e a reaver os laços de amor e amizade.
Fonte: Jornal ''O Estado de São Paulo'', Caderno Metrópolis, edição de 11 de novembro de 2007.
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